São Paulo, sábado, 27 de janeiro de 2007

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MANUEL DA COSTA PINTO

Tríptico da intolerância

O mangá "Adolf", do pioneiro quadrinista japonês Osamu Tezuka (1928-1989), chega ao quinto e último volume

A EDITORA Conrad lança essa semana a última parte de "Adolf", mangá em cinco volumes de Osamu Tezuka (1928-1989). A série do quadrinista japonês, pioneiro no gênero, se enquadra no estilo "gekiga", que significa "desenhos dramáticos" -ou seja, com temática para público adulto.
A classificação segundo o efeito estético (e não por critérios formais) é fundamental aqui, pois Tezuka coloca em cena um dos episódios de maior impacto emocional da história: o nazismo e o evento que lhe dá singularidade (o Holocausto).
Como explica no posfácio da obra, ele adotou o formato "sandan-banashi" (contos trípticos), no qual confluem três enredos. Em "Adolf", temos três personagens homônimos: Adolf Camil (jovem judeu que mora em Kobe, no Japão), seu amigo Adolf Kaufmann (filho de um diplomata alemão com uma japonesa) e, como não poderia deixar de ser, Adolf Hitler.
O fio que ata os enredos é a existência de um documento provando a origem semita de Hitler, que judeus residentes em Kobe pretendiam usar para desmoralizar a ideologia nazista.
Diga-se de passagem que essa lenda faz parte da mitologia sobre Hitler -cujo pai, Alois Hiedler, era filho bastardo de uma mulher que, especula-se, engravidara de um judeu (o sobrenome Hiedler, que por motivo desconhecido virou Hitler, pertencia ao padrasto de Alois). A existência de judeus radicados no Japão, contudo, nada tem de fantasioso, pois muitos viram o país asiático como refúgio ou rota para os EUA.
"Adolf" começa em Berlim, quando o jornalista Toge investiga a morte do irmão e descobre que este fora assassinado por causa do tal documento (que o levará de volta ao Japão). Seria impossível reconstituir essa trama detetivesca, na qual cruzam-se os destinos das diferentes personagens.
O suspense, entretanto, cresce na mesma medida em que a indignação provocada pela metamorfose de Adolf Kaufmann, que após a morte do pai é enviado para a Alemanha, entre na juventude hitlerista, torna-se SS e, a exemplo do Führer, quer exorcizar suas origens.
Como toda tentativa de associar o imaginário romanesco a um assunto tabu, "Adolf" poderá criar resistências. Sua dicção é bem diferente, por exemplo, de "Maus" (Companhia das Letras), do quadrinista Art Spiegelman, que neutraliza qualquer apelo dramático ao traçar a memória dos campos de extermínio.
Todavia, nem a idílica reconstituição visual de Kobe nem a imagem dos comícios nazistas ou a espetacularização de guerra (como o ataque a Pearl Harbor) conseguem cancelar o horror encarnado nas personagens de Tezuka, cujas surpreendentes ambigüidades compreendem desde o amor do Adolf nazista por uma judia até o epílogo rápido, décadas depois da guerra, quando os dois amigos de infância se engajam na luta entre palestinos e israelenses -sugerindo que intolerância e vingança são o motor da história.


ADOLF     
Autor: Osamu Tezuka
Tradução: Drik Sada
Editora: Conrad
Quanto: R$ 27,90 (cada volume)


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