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BIA ABRAMO
A longa greve dos roteiristas
Arma clássica do século
20 está sendo usada para combater dilemas ultramodernos
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DAQUI A POUCO mais de uma
semana, a greve dos roteiristas completará três meses. Já
atrapalhou diversas temporadas de
séries de alta audiência na TV norte-americana, a entrega do Globo de
Ouro e, caso continue, pode ameaçar
até mesmo a cerimônia de entrega
do Oscar.
É a primeira greve de grande porte
a atingir a hoje gigantesca e tentacular indústria do entretenimento global. E, salvo engano, é a primeira vez que uma arma tão clássica do século
20 está sendo usada para combater
os dilemas ultramodernos da desigualdade do século 21.
Curiosamente, ninguém na mídia
brasileira está chamando os grevistas de baderneiros nem os acusando,
em tom grave, de fazer uma greve
com fins políticos, como se costuma
fazer a torto e a direito quando as
categorias paralisadas têm menos
simpatia.
Mas o problema é que, por mais
"americana" e midiática que seja esta dos roteiristas, toda greve tem por
objetivo perturbar a ordem -paralisar um processo produtivo é mesmo
uma complicação dos demônios- e
toda greve tem, sim, sentido político;
trata-se de um conflito entre forças
com interesses antagônicos.
Esse caso é duplamente curioso,
uma vez que devolve ao sujeito que
desenvolve um trabalho intelectual
e criativo a condição de trabalhador
explorado em sua força de trabalho e
reafirma a importância da mobilização coletiva, ao mesmo tempo em
que testa a capacidade das grandes
corporações de conviver com trabalhadores organizados.
Os roteiristas querem sua fatia de
participação nos lucros que já vêm
e ainda mais virão das novas mídias
-internet, streaming media,
download.
Os estúdios afirmam que não vão
lucrar tanto assim, que já perdem
muito dinheiro com a pirataria e que
os roteiristas ganham mais do que os
cirurgiões.
Qualquer que seja o cenário de resolução da greve, as perspectivas para o consumidor não são boas. Se ganham os roteiristas, os estúdios vão
cortar custos em outros cantos, o
que vai afetar a aposta em novos títulos, a qualidade de produção etc.
Se ganham os estúdios, os roteiristas
sofrerão retaliações de alguma espécie, o que também influencia na qualidade da produção.
E tudo isso no coração da indústria mais emblemática do capitalismo globalizado, que é a do entretenimento. Ou seja, politiza, de maneira
inequívoca, o coração de uma das
atividades mais ligadas à idéia de
alienação.
biabramo.tv@uol.com.br
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