São Paulo, domingo, 27 de janeiro de 2008

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BIA ABRAMO

A longa greve dos roteiristas


Arma clássica do século 20 está sendo usada para combater dilemas ultramodernos

DAQUI A POUCO mais de uma semana, a greve dos roteiristas completará três meses. Já atrapalhou diversas temporadas de séries de alta audiência na TV norte-americana, a entrega do Globo de Ouro e, caso continue, pode ameaçar até mesmo a cerimônia de entrega do Oscar.
É a primeira greve de grande porte a atingir a hoje gigantesca e tentacular indústria do entretenimento global. E, salvo engano, é a primeira vez que uma arma tão clássica do século 20 está sendo usada para combater os dilemas ultramodernos da desigualdade do século 21.
Curiosamente, ninguém na mídia brasileira está chamando os grevistas de baderneiros nem os acusando, em tom grave, de fazer uma greve com fins políticos, como se costuma fazer a torto e a direito quando as categorias paralisadas têm menos simpatia.
Mas o problema é que, por mais "americana" e midiática que seja esta dos roteiristas, toda greve tem por objetivo perturbar a ordem -paralisar um processo produtivo é mesmo uma complicação dos demônios- e toda greve tem, sim, sentido político; trata-se de um conflito entre forças com interesses antagônicos.
Esse caso é duplamente curioso, uma vez que devolve ao sujeito que desenvolve um trabalho intelectual e criativo a condição de trabalhador explorado em sua força de trabalho e reafirma a importância da mobilização coletiva, ao mesmo tempo em que testa a capacidade das grandes corporações de conviver com trabalhadores organizados.
Os roteiristas querem sua fatia de participação nos lucros que já vêm e ainda mais virão das novas mídias -internet, streaming media, download.
Os estúdios afirmam que não vão lucrar tanto assim, que já perdem muito dinheiro com a pirataria e que os roteiristas ganham mais do que os cirurgiões.
Qualquer que seja o cenário de resolução da greve, as perspectivas para o consumidor não são boas. Se ganham os roteiristas, os estúdios vão cortar custos em outros cantos, o que vai afetar a aposta em novos títulos, a qualidade de produção etc.
Se ganham os estúdios, os roteiristas sofrerão retaliações de alguma espécie, o que também influencia na qualidade da produção.
E tudo isso no coração da indústria mais emblemática do capitalismo globalizado, que é a do entretenimento. Ou seja, politiza, de maneira inequívoca, o coração de uma das atividades mais ligadas à idéia de alienação.

biabramo.tv@uol.com.br


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