São Paulo, segunda-feira, 27 de fevereiro de 2006

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Adeus, Polaroid


Filme SX-70, que abastecia a famosa câmera, deixa de ser fabricado; artistas brasileiros fazem homenagem com instantâneos inéditos

Claudio Elisabetsky
Fotografia com que Claudio Elisabetsky se despede do filme para a câmera SX-70


TEREZA NOVAES
DA REPORTAGEM LOCAL

Terminada a batucada, o ano começará com uma notícia triste para a fotografia. O filme para a câmera Polaroid SX-70 deixará de ser fabricado no fim de março.
Matéria-prima de artistas do porte de Andy Warhol, David Hockney e André Kertesz, o sistema SX-70 é pioneiro no quesito imagem instantânea. A câmera foi a primeira a ejetar a foto totalmente pronta, dispensando processos adicionais de revelação.
Desde seu lançamento, em 1972, o mundo da arte foi seduzido pelo seu magnífico design -desenhada por Henry Dreyfuss, a máquina original não é produzida há mais de 20 anos- e pelas inúmeras possibilidades de criação.
No Brasil, não foi diferente. Há ainda muitos artistas que trabalham com o SX-70. A pedido da Folha, Cássio Vasconcellos, Armando Prado, Claudio Elisabetsky, Marcelo Pallotta e Ricardo van Steen selecionaram uma imagem de sua autoria -que ilustram esta página- para simbolizar o fim de uma era.
"O sistema foi revolucionário dentro de uma perspectiva tecnológica. Ele permitiu o registro de imagens sem muitas preocupações com questões técnicas", afirma Barbara Hitchcock, diretora da coleção Polaroid, que possui 20 mil fotos que datam a partir de 1937, ano da fundação da empresa, 1.990 feitas com o SX-70.
"A câmera conseguiu unir duas qualidades importantes para a época: a velocidade do processamento da foto e o controle da luminosidade. Ela inaugura um novo momento, o "snap shot", que se torna uma ferramenta para registrar o cotidiano. A SX-70 é fundamental na história da fotografia e da cultura", contextualiza o pesquisador Rubens Fernandes Jr.
Nos anos 70, o imediatismo (e a privacidade) proporcionados pelas Polaroids serviram de estímulo para registros mais íntimos. "A máquina incentivou uma geração de fotógrafos a fazer auto-retratos. Houve inclusive um aumento de nus na época. A obra da holandesa Toto Frima é um bom exemplo disso", diz Barbara.
Não apenas essas características alavancaram a produção artística com o SX-70. A palheta de cores -que puxa para os tons azulados- e o fato de o filme/papel poder ser manipulado durante a rápida revelação se tornaram atrativos para os artistas.

Tela
"Os artistas usam o filme com uma espécie de tela, na qual as intervenções são importantes. Acho que isso é um mérito porque estimula a criatividade para além do simples clique", opina Barbara. "E muitos pintores utilizam essa câmera em suas fotografias. O SX-70 é natural para eles, a nuance das cores é muito especial, diferente de todos os outros tipos existentes de filmes coloridos."
"Ela é especial, tem cara de Polaroid. A cor, a textura são diferentes", concorda o fotógrafo paulistano Cássio Vasconcellos, 40.
Vasconcellos é um dos artistas mais fiéis ao sistema. Em sua série "Noturnos", na qual retrata a paisagem de grandes cidades à noite, ele usou a câmera SX-70. Seis fotos dele estão na coleção Polaroid.
O fotógrafo, que comprou sua primeira SX-70 (usada) em 1984, considera a falta de recursos da máquina uma qualidade. "O fato de ela ser amadora é o seu charme", sentencia.
"A qualidade de cor, de imagem e da ótica são muito boas. A objetiva é de cristal, não de plástico", defende Armando Prado.
Ao lado de outros seis fotógrafos, Prado mantém um site (www.sx70.com.br) no qual estão os portfólios de outros partidários dessa Polaroid. "Estamos juntando um grupo para comprar um último lote de filme, será o canto dos cisnes", diz Prado.
Marcelo Pallotta, 38, também participará dessa última homenagem. "Só trabalho com SX-70. Não fotografo com outra câmera. Foto para mim é só isso", afirma.
Desde que começou a fotografar, nos anos 90, Pallotta teme pelo fim do suporte. "Já ouvi várias vezes que o filme acabaria, por isso ainda tenho alguma esperança", diz Pallotta. Uma solução é adaptar outro filme, enganando o fotômetro com um flitro.
"É um "turning point" da fotografia. Tudo o que eu tenho está indo embora", lamenta Claudio Elisabetsky, 47. Para ele, o SX-70 funciona como uma espécie de diário. "Registrei o crescimento das minhas filhas com a câmera, são como desenhos em naquim", compara Elisabetsky.


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