São Paulo, sexta, 27 de fevereiro de 1998

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Fórmula e invenção dividiram as telas

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

1997 foi, por um lado, o ano do cinemão no Brasil. "O Que É Isso, Companheiro?", "Guerra de Canudos", "O Cangaceiro", "Anahy de las Misiones", "O Noviço Rebelde": grandes produções, com orçamentos de vários milhões de reais, dirigidos ao "grande público", ou ao "mercado".
Sem entrar no mérito contábil da coisa -o lucro ou prejuízo de cada um dos filmes-, o que unifica esse bloco (com a possível exceção de "Anahy") é a idéia de que, para se constituir como produtos de entretenimento de massa, os filmes devem moldar-se aos formatos narrativos hegemônicos, ou seja, os do cinema industrial americano ou das telenovelas.
De um certo ponto de vista, esse modelo de cinema venceu, uma vez que chegou ao Oscar ("Companheiro") e à televisão ("Canudos" como minissérie da Globo).
Mas o preço dessa vitória é evidente: diluição estética, perda de vigor inventivo, impessoalidade.
A criação e o risco continuaram vivos na produção cinematográfica nacional, só que de maneira quase marginal e subterrânea.
Novos realizadores como Tata Amaral ("Um Céu de Estrelas"), Beto Brant ("Os Matadores"), Paulo Caldas e Lírio Ferreira ("Baile Perfumado") e José Araújo ("O Sertão das Memórias") fizeram filmes pessoais, inquietos, cheios de arestas.
Mas não foram apenas esses estreantes que mantiveram acesa a chama da invenção. Os veteranos Walter Lima Jr. ("A Ostra e o Vento") e Julio Bressane ("Miramar") avançaram em seus caminhos absolutamente pessoais de criação. São autores de cinema, não apenas profissionais do set.
Há, em princípio, espaço para tudo no cinema brasileiro: produções para o grande público, filmes intimistas, experiências radicais de linguagem. Cabe esperar que o triunfo do "Companheiro" ajude a acabar com o complexo de vira-lata dos brasileiros com relação a seu próprio cinema, mas sem erigir em molde único o modo Barreto de fabricar filmes.
Agora que a Rede Globo ameaça invadir também o cinema, levando junto seu "padrão de qualidade", é bom reafirmar a necessidade de outros padrões, outros modos de produção, outras linguagens, outras vozes.
Se os cineastas brasileiros não forem donos de suas vozes, repetirão para sempre, canhestramente, a voz do dono.



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