São Paulo, Sábado, 27 de Fevereiro de 1999
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TEATRO
Montagem da peça "A Filosofia na Alcova", que estréia na cidade em abril, não terá nenhuma cena de nudez
Alcova de Sade chega com roupa a SP

João Wainer/Folha Imagem
Ensaio da peça "A Filosofia na Alcova", baseada em obra de Sade


ERIKA SALLUM
da Reportagem Local

No prefácio da primeira tradução em português de "A Filosofia na Alcova", uma das mais famosas obras do Marquês de Sade, o autor, anônimo, avisa sobre o conteúdo do texto a seguir: É preciso conhecer o mal para saber evitá-lo’’. O livro foi publicado clandestinamente no Brasil entre os anos 40 e 50 e classificado, pelo mesmo desconhecido editor-tradutor do parágrafo acima, de antologia da libertinagem’’.
Polêmica, obscena, a obra de Sade ganha, no início de abril, uma versão teatral, sob direção de Marcelo Fonseca, que promete não usar nenhuma cena de nudez em sua montagem. A peça deve estrear na Funarte, em São Paulo. No mesmo período, está previsto o lançamento de uma nova tradução do livro, pela editora Iluminuras (leia texto nesta página).
Escrito em 1795 pelo francês Donatien Alphonse François, o Marquês de Sade, o texto desfia a saga de Eugênia, uma virgem de 15 anos que acaba sendo iniciada nos prazeres da libertinagem por madame Saint-Ange, Dolmancé e amigos. As lições’’ consistem, basicamente, em orgias, sodomia, homossexualismo, perversões, crimes, torturas, crueldade. E, acima de tudo, em renúncia à virtude. Em meio a isso, Sade tece profundas críticas a Deus e à religião. Como explica o próprio título, Sade coloca erotismo e filosofia lado a lado, associando corpo e espírito. É isso que choca mais do que tudo’’, explica Eliane Robert Moraes, professora de estética e literatura e autora de Sade - A Felicidade Libertina’’.
O diretor Marcelo Fonseca _que montou recentemente O Balcão’’_ conhece bem as reações que o marquês pode provocar. No total, convidou cerca de 40 atores para participar da peça. Todos recusaram a proposta. Alguns disseram que não queriam meter a mão em uma coisa dessas. Outros simplesmente falaram que não queriam fazer. Pode não parecer, mas ator é bem careta.’’
Após tantas recusas, Fonseca (que atuará no espetáculo) conseguiu reunir no elenco Carolina Gonzales, Cibele Forjaz (responsável também pela iluminação), Denise Assunção, Adler Pellegrini e Rebeca Mattos. Ainda falta selecionar um último ator.
A Filosofia na Alcova’’ também não atraiu patrocinadores. Segundo o diretor, todas as empresas procuradas por ele negaram ajuda à montagem alegando que a peça não condiz com nosso perfil’’.
Atualmente, o espetáculo conta apenas com o apoio da Secretaria de Estado da Cultura. É quase uma censura econômica. Por isso, também não farei merchandising no palco. Até o vinho vai estar sem rótulo’’, decreta.
Apesar das libertinagens de Sade, Fonseca garante que não haverá nenhuma nudez durante a apresentação. Para representar as cenas de sexo, o grupo contará com marionetes e slides, entre outros recursos teatrais. Quero colocar um slide de Cristo, enquanto rolam as sacanagens.’’
De acordo com ele, o público pode ficar tranquilo que a peça não será interativa, e os atores não incomodarão a platéia. Estamos trabalhando a doçura da obra de Sade, além do humor. Ele é engraçadíssimo, um cético.’’


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