São Paulo, segunda-feira, 27 de março de 2000


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Governo quer incentivar só a cultura que dá lucro


Proposta cria fundo, a ser gerido por bancos, para projetos rentáveis; modelo pretende substituir a atual lei de incentivo ao cinema DANIEL CASTRO
da Reportagem Local

O governo federal está elaborando um novo mecanismo de fomento cultural que, ainda embrionário, já é polêmico.
O projeto, que deve ficar pronto em 60 dias, pretende criar um fundo de investimentos apenas para projetos culturais que dão lucro, coisa rara no país. O fundo agrada aos cineastas que já estão no mercado, mas afugenta iniciantes e é rejeitado por empresas que patrocinam projetos culturais, como a Volkswagen.
A idéia original, de Andrea Matarazzo, ministro-chefe da Secretaria de Comunicação de Governo, prevê que empresas e pessoas físicas comprem cotas de fundos geridos por bancos. Os investidores teriam o benefício da renúncia fiscal, abatendo o valor no Imposto de Renda, e a promessa de compartilhar os lucros do fundo.
Os bancos, por sua vez, aplicariam os recursos apenas em projetos rentáveis. Isso limitaria o acesso ao fundo de projetos de restauro, shows gratuitos e de cineastas e diretores de teatro iniciantes, por exemplo. Atualmente, qualquer projeto, rentável ou não, pode ser aprovado pelo Ministério da Cultura e obter recursos diretamente nas empresas.
Segundo Matarazzo, esse fundo deve substituir um dos atuais mecanismos federais de incentivo à cultura, a Lei do Audiovisual, para cinema e vídeo. Por essa lei, empresas investem em filmes, abatem integralmente o valor e ainda podem receber dividendos, caso o projeto dê lucro.
A Lei do Audiovisual, de 1993, foi responsável pelo chamado "renascimento" do cinema nacional. Por meio dela, 116 longas-metragens já foram produzidos -mas menos de dez deles (como "O Quatrilho" e "Central do Brasil") deram lucros e pagaram dividendos aos investidores.
Além disso, abalada pela falta de credibilidade de projetos polêmicos, como o inacabado "Chatô, o Rei do Brasil", de Guilherme Fontes, e de "O Guarani", de Norma Bengell, a Lei do Audiovisual está em queda desde 1997.
Em 97, no seu auge, foram captados R$ 75,4 milhões por meio da lei. Em 99, a captação caiu para R$ 35,8 milhões (veja quadro à página 6-3), o que deve resultar na queda de produção de novos filmes neste ano.
"Tive a idéia dos fundos discutindo com o banco Opportunity. Quando viabilizado, o fundo deve substituir a Lei do Audiovisual. Mas existem outros aspectos. Há filmes, como curtas-metragens, que não são viáveis. Tem de haver algum mecanismo para os curtas-metragens", diz Matarazzo.
Esse mecanismo, segundo o ministro da Cultura, Francisco Weffort, poderia ser a continuidade da Lei do Audiovisual e da Lei Rouanet, pela qual empresas patrocinam projetos culturais de todos os segmentos, não só de cinema, com maior exposição da marca, mas com menor renúncia fiscal. Em 99, pela Lei Rouanet foram captados R$ 196,4 milhões, dos quais R$ 17,7 milhões para projetos de audiovisual.
"A idéia do fundo é eliminar a competição nas leis de incentivo entre os projetos rentáveis e os que não têm capacidade de se virar no mercado. Há muitos filmes que pagam seus custos, mas estão disputando o mesmo caixa dos que não se pagam", afirma o ministro Weffort.
Para Matarazzo, no entanto, não faz sentido a coexistência do fundo e da Lei do Audiovisual.
"O cinema tem de ter viabilidade econômica. Hoje não é viável porque o incentivo é feito de uma forma que não estimula a viabilidade. Se tiver lucro, muito bem, se não tiver, morreu. Assim nunca vai se viabilizar uma indústria de cinema. Por que dar incentivo fiscal para um longa-metragem que não tem viabilidade? Se não é viável é porque é ruim, normalmente", diz Matarazzo.
O ministro-chefe de Comunicação, que integra um comitê recém-criado para orientar o investimento em cultura pelas estatais federais, se diz espantado com a quantidade de projetos em busca de incentivo.
"É interessante a quantidade de projetos e a quantidade de micos, coisas sem pé nem cabeça em termos de custos."
A criação do fundo de investimento em cultura ainda vai dar o que falar. O mercado cinematográfico quer que o fundo seja só para projetos audiovisuais.
Grandes patrocinadores, como a Volkswagen, acreditam que a idéia é inviável.


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