São Paulo, segunda-feira, 27 de março de 2000


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POLÍTICA CULTURAL

Para vice-presidente da Volkswagen, fundo para projetos viáveis é uma "barbaridade"

"Banco não tem interesse em cultura"

da Reportagem Local

Miguel Jorge, vice-presidente de assuntos corporativos da Volkswagen, terceiro maior investidor em cultura pela Lei Rouanet em 99 (R$ 6,9 milhões), acha uma "barbaridade" a idéia do governo federal de criar um fundo só para projetos rentáveis.
"Nós não entraremos nisso. Nosso negócio não é ganhar dinheiro com filme, mas fabricando e vendendo automóveis", afirma.
A Volkswagen patrocina projetos de diferentes áreas, como livros, peças e filmes. Neste ano, vai investir R$ 407 mil na Orquestra e Coral Jovem Baccarelli, formada por crianças e adolescentes da favela de Heliópolis, a maior de São Paulo, na zona sudeste.
A empresa já apostou em filmes como "Chatô" e "Orfeu". Em 98, aparecia em terceiro lugar das que mais investem pela Lei do Audiovisual. Em 99, sumiu da lista das 30 maiores incentivadoras da lei.
"Nunca aceitaremos que um banco decida o que é bom ou não para a cultura. O banco não tem interesse em investir em cultura, mas em projeto que dê lucro", diz.
Consultor de empresas que investem em cultura, como o Grupo Pão de Açúcar (R$ 15,8 milhões neste ano), Sérgio Ajzenberg acha "inútil" a criação do fundo para projetos rentáveis.
"Muitas empresas investem em cultura como marketing cultural, não esperam retorno financeiro. Elas investem porque isso é importante para a sua marca."
Ajzenberg não acredita que o fundo irá moralizar a aplicação dos recursos. "No caso do cinema, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) já fiscaliza. Quando uma empresa dá dinheiro para um projeto cultural e se beneficia do incentivo fiscal, ela espera que você gerencie esses recursos de forma séria, honesta e transparente", analisa.
O consultor lembra que a Lei Rouanet já prevê a criação de fundo de investimento para cultura, o Ficart (Fundo de Investimento Cultural e Artístico), e que isso nunca foi posto em prática. "Se cinema fosse coisa rentável, os bancos já teriam criado fundos."
Considerado o maior produtor cinematográfico brasileiro, o influente Luiz Carlos Barreto se diz um dos pais do projeto dos fundos, mas só para o audiovisual.
"Essa idéia é uma reivindicação da classe há dois anos. Isso já deveria ter sido criado por decreto, mas agora está sendo incluído no projeto de reforma da Lei do Audiovisual. O audiovisual é diferente das outras áreas, não pode ser misturado", afirma.
Segundo Barreto, o fundo vai ampliar os recursos para o cinema -se for mantida a captação direta em empresas, como é feita hoje- e selecionar os melhores projetos e profissionais.
O problema, no entanto, é que cinema é um investimento de alto risco e não existe uma indústria cinematográfica nacional, fundamental para viabilizar o fundo.
"Muitos filmes lançados por grandes companhias não dão retorno. É uma atividade de alto risco e só viável nos EUA."
Barreto sugere a criação de uma agência para o cinema e uma política pública de financiamento não só da produção, mas também da comercialização, distribuição e exibição. A maior parte dos filmes nacionais é lançada com menos de cinco cópias e fica pouco tempo em cartaz.
"Faltam investimentos para a criação de empresas de audiovisual", diz, citando o exemplo de um consórcio de distribuição "nacional e forte".
"Se não houver uma política agressiva na criação de consórcios de distribuição, o fundo não vai ser viável", concorda o cineasta PauloThiago, de "Policarpo Quaresma". "Vira eufemismo substituir empresa por fundo." (DC)


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