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CRÍTICA
"Kassandra" celebra não-guerra
SERGIO SALVIA COELHO
ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA
"As palavras morrem diante
das imagens", diz Kassandra, a profetiza em quem ninguém quer acreditar. Em época de
guerra, como se fazer ouvir? Com
texto ou imagem? Tentando combinar ambos, à lucidez apolínea
de Brecht vem se unir o ritual dionisíaco de Artaud em muitas
montagens do festival.
Em "Opus 69", a indignação do
autor e diretor curitibano Guilherme Durães contra a tortura de
mulheres pela ditadura brasileira
jorra em um texto alucinado e
transtornante, como uma hemorragia. Ousada síntese de "Hamlet" e "Valsa nš 6", ritualiza a tomada de consciência de uma menina ao descobrir simbolicamente uma caveira enterrada em seu
próprio quintal.
Por seu lado, Fransérgio Araújo,
ator do Teatro Oficina em sua primeira direção, resgata "Querô,
uma Reportagem Maldita", de
Plínio Marcos, de um registro naturalista do qual a peça já não necessita mais. Faz a história do menino de rua baleado em um bordel girar em torno de um círculo
de baldes vermelhos, como um
candomblé trash, elevando sua
mãe prostituta à condição de uma
deusa mãe.
Isso não quer dizer que a ritualização baste para atingir a platéia.
Muito pelo contrário: nas duas
montagens, o elenco jovem tem
uma tendência a se inflamar demais com o discurso, caindo na
armadilha narcisista de se entregar à euforia, não ao entusiasmo.
Dioniso pede interiorização, e Artaud precisa de Stanislavski como
Brecht precisa de Artaud.
Síntese
Em "Kassandra in Process", a
Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui
Traveiz faz valer seus quase 30
anos de estrada para tentar essa
síntese.
Mesclando as histórias da guerra de Tróia, vista do ponto de vista
dos troianos -e sobretudo de
sua princesa Cassandra, que desautoriza com altivez a arrogância
masculina-, a textos de Albert
Camus, Samuel Beckett, rituais
indígenas e indianos, essa "celebração" promove uma análise
implacável da estupidez sempre
repetida da guerra com mantras e
produção luxuosa.
O público, conduzido por Deusas e Heróis através de salas secretas, vai sendo iniciado mais pelas
imagens do que pelos discursos,
embora uns preparem os outros.
No final, Tânia Farias, uma Cassandra vertiginosa, lançará com
olhos de fogo seu apelo contra a
guerra.
Mas antes, no ritual da Deusa
Mãe, entre vinho e perfumes, o
amor faz baixar docemente as cabeças e inunda a cena como um
rio. No público, um casal se beija.
Por esta noite, Kassandra será ouvida.
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