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RÉPLICA
Crítica de Coelho padece de minoridade crônica
LUIS ANTÔNIO GIRON
ESPECIAL PARA A FOLHA
A leviandade nunca figurou entre as virtudes de Marcelo Coelho, analista da vida inteligente a quem o leitor aprendeu a
admirar. A cultura universal é
campo que vigia como inspetor
das virtudes do intelecto, pronto a
destilar elogios, sobretudo para
seus pares de alta erudição.
Por isso, fiquei surpreso com a
resenha que ele estampou no sábado, 20 de março, sobre o ensaio
histórico "Minoridade Crítica",
de minha autoria. A resenha em
questão é um documento injusto
e repleto do destempero que costuma se apossar de algumas mentes no exercício da controvérsia.
Não atiro a primeira pedra porque eu próprio já incorri na falha.
Quero, apenas, contestar os argumentos do articulista.
"Minoridade Crítica" aborda 35
anos de história dos achados, insultos e insanidades dos primeiros críticos culturais do Brasil
-antepassados do articulista. Ao
ler as aventuras e tropeços de polemistas como Alencar e Machado de Assis, Coelho parece ter virado presa do espírito romântico
e desfiou um rondó de incorreções.
A primeira delas é valer-se do
episódio da apresentação da ópera "Torquato Tasso" em 1844, relatado no volume. Trata-se de
uma das muitas descobertas do livro, mas MC pinça-a para desmerecer o ensaísta. Tachou-a de
apressada e eivada de erros. Estes,
se existem -e podem existir num
trabalho de levantamento de fontes-, ele deveria tê-los apontado,
para serem corrigidos.
Não creio que ele o possa de fato
anotá-los, já que não consta que
tenha se debruçado sobre o tema.
E eis o ponto mais lamentável, na
afirmação que faz de que a pesquisa teria sido realizada às pressas para ser entregue à banca.
O livro informa que ela se iniciou há nove anos, a tese foi defendida em 99 e só agora publicada. O texto foi discutido em aula,
num curso que ministrei na USP
em 2002. "Minoridade Crítica"
pode ser tudo, menos ligeira, pois
consumiu anos de investigação
em arquivos e bibliotecas. Como
resultado, revelou-se para o autor
um terreno insólito, "nota de rodapé" da história da inteligência.
Desprezando tudo, MC volta
sua pena aguda contra a academia. Desvaloriza o fato de eu ter
arrolado hipóteses e de havê-las
testado. Ora, um trabalho indutivo tem de seguir tal caminho. O
resenhista despreza a conceituação de estética e cânone, tentando
rebaixar as idéias discutidas no
primeiro capítulo. Não foi pretensão minha elaborar uma teoria
sobre estética da música, e sim
abordar as idéias de Athanasius
Kircher e Alexander Baumgarten
-autores que integravam a educação do tempo. E a seção foi reelaborada para a edição, para originar um ensaio. Ao lhe atribuir superficialidade, Coelho chega a dizer que Schumann e Wagner não
foram citados -e basta consultar
o índice para notar que o foram,
ainda que ambos tenham escassa
influência entre os folhetinistas
diletantes. Ele acusa o ensaio de
não explicar por que José Maurício foi um mito nativista. Convenhamos: ele poderia ter lido o capítulo dedicado ao Padre Mestre e
a análise do ensaio de Araújo Porto-Alegre para verificar as razões
pelas quais os românticos construíram o mito.
Denomina, por fim, José Eduardo Martins como orientador da
dissertação. O orientador, diz o livro, foi o maestro George Olivier
Toni. Na ânsia de atacar e ferir às
cegas, Coelho não leu o livro com
atenção -fato decepcionante para quem, como eu, aprendeu, nos
nove anos em que o livro foi escrito, a sorver com deleite suas novelas tristes, suas histórias infantis
-como "Minhas Férias"-, além
do tratado "Folha Explica Montaigne". Todos opus de uma mente poderosa que não se atemoriza
em saltitar pelos diversos registros do pensamento humano. Pena ele ter optado, na resenha, por
imitar o folhetinista que "borboleteava" pelos assuntos, descrito
com ironia por Machado. "Minoridade Crítica" despertou no espírito do censor de plantão a fúria
dos antigos folhetinistas. Como
tal, arremetou-se contra um trabalho de pesquisa que só desejou
ajudar no desbravamento de um
campo de estudos.
Saltar páginas não significa ler, e
sim enganar a si próprio e ao leitor.
Não é, contudo, pecado exclusivo do nosso Coelho. Ele apenas
corrobora a idéia de que vivemos
ainda hoje a minoridade crônica
da crítica. Nela, uma sentença
bem torneada vale mais que anos
de pesquisa.
Luis Antônio Giron é editor de Cultura
da revista "Época"
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