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Crítica/""Educação Siberiana"
Lilin guia incursão ao mundo selvagem
JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA
O
mercado editorial tem
recebido sinais de que
a era da ficção chegou
ao seu final.
Caem vendas de romances,
publica-se cada vez menos contos e a imaginação parece não
ter mais espaço. Com a crescente complexidade do que se
compreende por realidade, os
relatos memorialísticos à beira
da não-ficção têm despertado
interesse. Os leitores parecem
dizer "O mundo já está complicado demais, então me deem
algo verdadeiro". É onde entram produtos como "Educação Siberiana", de Nicolai Lilin.
A questão também traz seus
impasses, entendendo-se aí -e
de modo equivocado- a fantasia pura como espécie de mentira abstrata contraposta à
"verdade" implícita ao depoimento. As aspas se devem às
numerosas farsas difundidas
nos últimos anos, tantas desde
"Fragmentos", as memórias de
infância num campo de concentração forjadas por Binjamin Wilkomirski, até as recentes polêmicas envolvendo a veracidade das reportagens do
jornalista e escritor polonês
Ryszard Kapuscinski.
Veracidade é o mito em questão. De acordo com Kant, os humanos têm mania de entender
as coisas por meio de categorias
mentais. Com a atual profusão
de mídias de todas os formatos
e espessuras, torna-se cada vez
mais difícil captar em meio ao
vendaval de imagens alguns
planos básicos da consciência,
como os narrados por Nicolai
Lilin.
No rastro da abordagem
da máfia italiana de Roberto
Saviano, o autor de "Gomorra",
ele explora sua juventude entre
a comunidade dos urcas, criminosos exilados pelos soviéticos
da Sibéria nos anos 30 para a
Transnístria, região da atual
Moldávia.
No aprendizado do jovem Lilin, o modelo a seguir é o de Kúzia, avô que vive solitário às
margens do rio. Receptáculo da
velha ética criminal, o velho
lembra o mestre jedi Yoda,
maldizendo o desrespeito das
novas gerações e perpetuando
a lealdade familiar como alicerce. Há passagens de violência, é
claro, mas a idealização dessa
filosofia é tamanha a ponto de
lembrar "Os Meninos da Rua
Paulo", clássico infantojuvenil
do húngaro Ferenc Molnár.
Ao receber sua educação
através das regras de conduta
baseadas num comportamento
todo próprio, como costuma
acontecer no submundo, Lilin
descobre o que existe de mais
primitivo (no sentido de ligado
às origens) na essência masculina.
Os rituais de comunicação
e a codificação da linguagem, a
iconização de armas e de tatuagens, tudo se reveste de ortodoxia muito próxima da religiosidade. Ler "Educação Siberiana", portanto, relaciona-se
àquelas incursões de regresso
ao mundo selvagem que se tornaram moda há algum tempo,
com homens de mãos dadas em
volta de fogueiras e uivando para a lua.
Sob tal perspectiva, torna-se
mais fácil compreender o sucesso de tais relatos, sejam baseados em fatos ou não. Trata-se de um encontro do leitor
com certa verdade substancial
identificável, facilmente corroborada por ser travestida de depoimento pessoal.
É comum se afirmar que a
realidade é mais poderosa que a
ficção, porém o contrário também pode ocorrer.
JOCA REINERS TERRON é autor de "Sonho Interrompido por Guilhotina" (Casa da Palavra).
EDUCAÇÃO SIBERIANA
Autor: Nicolai Lilin
Tradução: Eliana Aguiar
Editora: Alfaguara
Quanto: R$ 54,90 (336 págs.)
Avaliação: bom
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