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Crítica/CD/"Chopin The Nocturnes"
Nelson Freire grava Chopin histórico
Pianista mineiro lança, aos 65 anos, álbum duplo com ótima interpretação da íntegra dos "Noturnos" do compositor
SIDNEY MOLINA
CRÍTICO DA FOLHA
Conhecimento, lealdade,
afeto: para Nelson Freire, Chopin (1810-1849)
é um amigo muito próximo,
com quem mantém relação viva pelo piano. E talvez o conjunto completo dos "Noturnos"
-que o pianista mineiro acaba
de lançar em CD duplo- seja,
até aqui, sua mais completa tradução da arte do compositor
polonês.
Por meio dos noturnos é possível acompanhar a trajetória
musical completa de Chopin,
que escreveu e publicou 18
obras com esse título no período de 1830 a 1846 (o álbum traz
também duas peças que somente vieram à luz após a morte do artista).
Nas primeiras obras são perceptíveis as referências ao irlandês John Field (1782-1837)
e ao "bel canto" de Vincenzo
Bellini (1801-1835), mas já no
op.15 n. 3 a música toma o partido da incompletude e generosamente cede o controle para a
performance.
A hesitação que Nelson imprime intencionalmente ao
tempo, à respiração ofegante
das sentenças, às camadas de
"piano" e "pianissimo", à capacidade de velar e "afastar o som
de si" -como se as notas pudessem subir verticalmente do
chão-, tudo concorre para essa
poética do devir.
E, quando
Chopin decide justapor uma
escrita coral à primeira parte,
não haverá lugar para o retorno
do tema inicial: o noturno se
lança adiante, rompendo a circularidade da forma ternária.
As duas peças que seguem
(op. 27) tomam como centro a
mesma altura (dó sustenido
menor e ré bemol maior), e as
"fioraturas" -ornamentações
cadenciais de inspiração operística- da segunda pretendem
fazer caber mais de 60 notas da
mão direita em um compasso e
meio.
Porém, nesse caso, os
sentidos que poderiam emergir
dessa compressão são deslocados pela leveza do inigualável
"cantabile" de Nelson, que jamais interrompe a continuidade do discurso.
Virtuosismo e êxtase encontram espaço em outro par de
noturnos consecutivos, a começar pelos intervalos em movimento paralelo do op. 37 n. 2.
O op. 48 n. 1, por outro lado, instaura pouco a pouco uma crise
entre melodia e acompanhamento, que atinge o ponto culminante no fortíssimo que precede a volta do tema inicial,
agora contaminado por essa
fratura: segundo o compositor
pernambucano Willy Corrêa de
Oliveira, são "acontecimentos"
independentes, ondas com vida
própria que recusam a textura
homogênea da "melodia acompanhada" clássica.
Por não ser um ciclo organizado, os "Noturnos" recebem
menos integrais do que os "Estudos" e os "Prelúdios". Mas há
importantes referências, como
os antológicos registros de Ivan
Moravec, Claudio Arrau (1903-1991) e Arthur Rubinstein
(1887-1982).
Nelson Freire chegou a iniciar uma versão nos anos 1970,
mas, àquela altura, na "imaturidade" de seus 30 e poucos anos
(ele completou 65 em outubro
passado), não se sentiu preparado para levar adiante o projeto. Realizada somente agora
-na plenitude de sua capacidade musical-, a gravação traduz,
em menos de duas horas, essa
arte crepuscular que Chopin
desdobrou ao longo da vida.
CHOPIN THE NOCTURNES (CD
DUPLO)
Artista: Nelson Freire
Lançamento: Decca
Quanto: R$ 49,90 em média
Avaliação: ótimo
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