São Paulo, Sábado, 27 de Março de 1999
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Filme busca nos rostos o sentido do mundo

especial para a Folha

Os filmes de Van der Keuken são ao mesmo tempo sobre tudo e sobre nada. O festival É Tudo Verdade exibe 11 deles -de "Herman Slobbe - Criança Cega 2" (1966) ao recente "Estúdio Fotográfico To Sang" (1997), sobre um fotógrafo chinês em Amsterdã- mais um documentário sobre o cineasta: "Vivendo com seus Olhos", de Ramon Giegling.
"Metais sem Fronteiras" (1993) trata da introdução de instrumentos de sopro na Ásia, Suriname e África. "Beleza" (1970) trata do mundo onírico de um espião fascista. "Amsterdã Global Village" (1996), de uma multiplicidade de personagens numa só cidade. Mas, de todos, "Face Value" ("Valor de Face") talvez seja o que melhor represente a busca do cineasta.
Ao filmar rostos de gente em Londres, Marselha, Praga, na Alemanha e na Holanda, ele tenta arrancar deles algum significado oculto que parecem guardar, o próprio sentido do mundo.
São rostos sem a menor relação uns com os outros, falando ou apenas olhando para a câmera enquanto o espectador ouve suas vozes em off dizer coisas por vezes as mais banais sobre o que fazem.
Podem ser crianças fantasiadas para serem fotografadas ou uma mulher contorcionista comentando o próprio show. Podem ser jovens muçulmanos de origem argelina em Marselha ou ingleses ricos jogando pólo. Podem ser boxeadores ou simpatizantes da Frente National, o partido francês de extrema direita.
Nada é explicado ou contextualizado. Não há juízos de valor. Não chega nem mesmo a haver uma montagem de imagens aparentemente díspares, como em Godard ou Eisenstein, formando um sentido muito claro pelo confronto. São sequências dispostas umas após as outras e que criam uma certa perturbação e uma certa emoção justamente por não terem nada a ver umas com as outras além do fato de serem cenas de gente vivendo no mesmo planeta.
As perguntas que os filmes parecem fazer o tempo inteiro são: Alguma coisa acontece no mundo, mas onde? E o quê? A câmera tenta arrancar dos rostos a resposta que eles não dão. E o documentário passa a funcionar mais como catalisador de perplexidades do que como revelação ou denúncia. (BC)


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