São Paulo, Sábado, 27 de Março de 1999
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LIVROS
Brasil quer integrar mundo multiétnico

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
da Sucursal de Brasília

O historiador americano especializado em Rússia James Billington, diretor da Biblioteca do Congresso dos EUA, acha que os integrantes da "pequena fraternidade dos países continentais com população multiétnica" precisam dialogar mais e se conhecer melhor.
Depois de uma semana no Brasil, a primeira de seus 69 anos, ele parece ter se convencido de que este país tem condições de contribuir para que tal estreitamento de relações internacionais ocorra.
Na última segunda à noite, ele falou à Folha sobre suas impressões da viagem. O assunto que dominou seus encontros com o presidente Fernando Henrique Cardoso e os ministros Francisco Weffort (Cultura) e Ronaldo Sardenberg (Projetos Especiais) foi a integração do Brasil ao projeto Frontiers (Fronteiras).
O projeto é a grande paixão atual de Billington, doutor por Oxford, professor em Harvard e Princeton, diretor por 14 anos do Woodrow Wilson Center (onde conheceu FHC, que na época ajudava a selecionar os bolsistas latino-americanos) e, desde 1987, o 13º diretor da maior biblioteca do mundo.
O projeto Fronteiras mal começou. Um modelo do que pretende vir a ser deverá estar acessível na Internet até outubro deste ano. A idéia, por enquanto, é comparar experiências históricas, por meio de documentos e textos analíticos, de sociedades de vastas dimensões geográficas. EUA e Rússia já são alvos dessa comparação.
Coletado o material básico, ele estará nos sistemas escolar e cultural das nações participantes para que os erros e acertos do passado de cada uma ajudem as demais a encontrarem suas soluções.
Billington já previa a inclusão de Austrália e Canadá no grupo e, a partir de agora, se diz um entusiasta da entrada do Brasil. Ele se mostrou impressionado com o que viu na Biblioteca Nacional, em especial com o projeto Resgate, que está digitalizando a documentação histórica do Brasil colonial e uma notável coleção de fotos e mapas.

Questão racial
O diretor da Biblioteca do Congresso vê significativas semelhanças entre os EUA, a Rússia e o Brasil. Os três se formaram como extensões da civilização européia em grandes áreas escassamente povoadas, expandiram fronteiras acompanhando longos rios e graças a motivações de ordem religiosa e econômica (entre elas, a atração por pedras e metais preciosos).
Claro que também há diferenças: na Rússia não há a participação do elemento africano na composição étnica, e o Brasil é tropical e banhado por apenas um oceano.
Mas, basicamente, Billington acredita que os três países têm muito a aprender um com o outro.
O que o Brasil pode extrair da experiência norte-americana para evitar as dificuldades históricas que os EUA têm com a questão racial?, por exemplo.
Ressaltando ser um "expert de uma semana" em Brasil, Billington respondeu que este país pode vir a enfrentar, no futuro, alguns dos problemas de divisão étnica que marcam a vida social nos EUA ao ocorrer uma afirmação econômica e social mais decidida da população afro-brasileira.
Uma forma de evitá-los seria, a seu ver, os brasileiros continuarem a manter como um traço central de sua mentalidade coletiva a noção de que a igualdade racial é um valor desejável, mesmo que ele não tenha sido ainda alcançado.

"Subculturas intelectuais"
Vítima do patrulhamento ideológico do movimento "politicamente correto" (pelo menos uma mostra, de fotos sobre a vida dos escravos na Casa Grande, foi retirada da Biblioteca do Congresso por causa de pressões), Billington não crê que o Brasil venha a sofrer tanto com isso quanto os EUA.
Na sua opinião, o "politicamente correto" resulta de uma fixação de "subculturas intelectuais" com alguns "preconceitos metodológicos e ideológicos" das décadas de 60 e 70, que ele não acredita tenham sido temas tão dominantes no Brasil naqueles períodos.
Mesmo nos EUA, sua visão de historiador é que, embora o fenômeno ainda venha a prosseguir durante algum tempo, o país "é suficientemente grande e diversificado" para obter, a médio prazo, uma espécie de equilíbrio.
Esses são exemplos de temas que, na opinião de Billington, o projeto Fronteiras poderia suscitar e a respeito dos quais poderá oferecer apoio documental para discussões nos países participantes. O objetivo é desenvolver todo o projeto no universo digitalizado da Internet.


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