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CRÍTICA
Filme retrata homem-dejeto do novo milênio
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
O sexo é sombrio, dizia
Antonin Artaud, formulação com que parece se identificar João Pedro Rodrigues.
Por isso mesmo, seria injusto
enquadrar "O Fantasma" nos
limites da cultura gay. Gay ele é
desde o primeiro fotograma.
Mas, como "Querelle", de Fassbinder, ou "Matador", de Almodóvar, é uma indagação da
sexualidade humana que toma
corpo nesse filme de estréia.
Não que tenha a dimensão
desses ilustres predecessores.
Estamos aqui na saga de Sérgio, lixeiro e homossexual, cuja
paixão na vida é Lorde, o seu
cachorro. A ligação já explicita
o reduzido apego que Sérgio
dedica às relações humanas.
Onde estiver, o desejo se impõe, mas de maneira passageira. Transa-se como se urina, e o
outro é um dejeto, como o lixo
que Sérgio recolhe. É como se,
em vez de lei do desejo, existisse uma lei do lixo. Os restos que
Sérgio encontra correspondem
à sua existência. Até que topa
com um nadador, a quem dedicará suas obsessões. O filme
parece, então, se passar menos
sob o signo de Artaud do que
de outro poeta, Georges Bataille, para quem o desejo existe
no limiar entre a vida e a morte.
Sérgio torna-se um fantasma.
São frequentes as menções a
Fantomas, o personagem da
série muda de Feuillade: se esgueira pelos telhados, subverte
a ordem. É aí que se revela o
ponto fraco do filme. Se toda a
preparação o leva a um crescendo seguro, o desenlace é
abaixo do esperado: é como se,
quando a negatividade do personagem devesse explodir, ela
já tivesse sido explorada.
Mas, se a história gira em torno da sexualidade gay, nem por
isso este é um filme apenas para gays. É antes o homem da
passagem do milênio que parece tratar Rodrigues neste filme,
cujo tema é esse homem-dejeto
perdido ora em desejos, ora em
lixo, mas sem eira nem beira.
O Fantasma
Il Fantasma
Direção: João Pedro Rodrigues
Produção: Portugal, 2000
Com: Ricardo Meneses, Beatriz
Torcato, André Barbosa
Quando: a partir de hoje no Espaço
Unibanco e no Jardim Sul
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