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"DRIBLANDO A CENSURA"
Autor viveu nas barbas do regime
GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Este livro não deixa de ser
engraçado, embora trate de
uma coisa triste e melancólica: a
censura sobre as artes e os espetáculos durante o regime militar
instalado em 64.
O autor, Ricardo Cravo Albin,
trabalhou na Embrafilme e no
Instituto Nacional de Cinema. Foi
roteirista de telenovela da Rede
Globo desde 1975, quando recebeu, em 1979, a incumbência do
todo-poderoso executivo da TV
platinada, J.B. de Oliveira Sobrinho, o Boni, quem o cineasta
Glauber Rocha considerava o czar
da Rede Globo, de integrar o Conselho Superior de Censura em
Brasília, a fim de paradoxalmente
aliviar, evitar ou driblar a censura
do próprio governo.
Transcrevo do livro o convite
que tem aura épica feito por Boni,
o qual "hegelianamente" já falava
em "sociedade civil", expressão
que não sai da boca da oposição e
de um certo tipo de esquerda:
"O convite que te faço em nome
da Globo não é fácil e pode ser mal
compreendido. Mas é fundamental para a defesa da liberdade de
expressão. Foi o Otto Lara Resende o primeiro a ser indicado, mas
teve que recusar porque alega
problemas de saúde. Trata-se da
representação da sociedade civil
para lutar contra a cretinice dessa
censura que nos tumultua e nos
castra. Você vai lutar, nas barbas
do inimigo, dentro do conselho
instituído pelo ministro da Justiça
e que já funciona há dois meses ao
lado da sala do Petrônio Portella".
O livro se resume aos desdobramentos desse convite (de 1979 a
1989), período em que Albin fez
134 viagens do Rio de Janeiro a
Brasília com objetivo de, no interior do aparelho federal, combater a censura como se fosse um
agente iluminista e esclarecido infiltrado a favor da liberdade intelectual de expressão e opinião.
Por causa desse seu trabalho, o
autor do livro é elogiado por
quem sofreu censura como o cineasta Wladimir Carvalho.
Somos informados sobre o modo da censura funcionar, a exemplo da telenovela "Chega Mais",
que foi vítima do corte por usar as
palavras "tô grilada e de saco
cheio". Ou o programa do Chacrinha, que deixava a censura enraivecida por conta dos closes nas
chacretes e por perguntar: "Vocês
querem mandioca?".
A censura é realmente abominável, mas nem sempre o que é
objeto da censura tem valor estético, ou seja, revolucionário e subversivo, assim como não é preciso
ser preso ou torturado para sacar
o segredo do país.
Algumas telenovelas foram mutiladas pela censura, mas isso não
quer dizer que a censura estava de
olho atento no caráter dissonante
ou diruptivo das telenovelas. É
preciso não perder de mira que
em 1989, com a primeira eleição
presidencial sob cobertura televisiva, quem chegou ao poder foi a
telenovela do caçador de marajás.
A telenovela representou o papel midiático de cocaína dos pobres, mais ou menos o equivalente do ópio da religião a que se referiu Karl Marx. Destarte, há uma
ambiguidade terrível na "saga",
como diz o autor, a respeito da TV
na década de 70. É que a TV Globo
nasceu sob os apupos e benesses
do golpe de 64, de modo que, a rigor, é temeroso falar aí em censura. Ao contrário, dir-se-ia sem nenhum intuito provocativo que os
"anos de chumbo" aconteceram
para implantar o sistema televisivo, que é o principal componente
da dominação política no Brasil.
E mais: com a chamada abertura democrática, a censura entre
nós se tornou civilizatória, porque é o povo e a nação que agora
estão sob a mira da censura.
Gilberto Felisberto Vasconcellos é
professor de ciências sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e autor de "O Príncipe da Moeda"
Driblando a Censura
Autor: Ricardo Cravo Albin
Editora: Gryphus
Quanto: R$ 38 (282 págs.)
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