São Paulo, sábado, 27 de abril de 2002

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LITERATURA

Editora norte-americana responsável pelo lançamento diz que não há previsão para "Hapworth 16, 1924"

J.D. Salinger inédito pode sair este ano

SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK

Se for verdade, parem as rotativas. Tudo indica que vai ser lançado até o final do ano um livro inédito de J.D. Salinger, um dos maiores escritores e certamente o mais recluso da história dos EUA. Com algum exagero de fã, o evento seria o equivalente literário à prisão de Osama bin Laden.
Seria seu primeiro título desde 1963, quando o escritor nova-iorquino de 83 anos se recolheu à sua casa em Cornish (Estado de New Hampshire), onde vive até hoje com a terceira mulher, uma ex-enfermeira 45 anos mais nova do que ele. Desde então, nunca mais falou publicamente nem se deixou fotografar ou gravar.
Nas últimas décadas, milhares de histórias cercam a vida do autor de "O Apanhador no Campo de Centeio", sua obra mais famosa, que completou 50 anos em 2001. Os mitos e lendas vão desde o que dá conta de que ele bebe a própria urina (o mais recorrente) até o de que ele fez uma ponta não creditada como um militar no filme "O Resgate do Soldado Ryan" (o mais recente).
O problema é que os rumores do novo livro são cada vez mais recorrentes e dados como certo até por sites insuspeitos como o da livraria virtual Amazon. Estava lá, com todas as letras: "Hapworth 16, 1924" tem previsão de lançamento para novembro deste ano, pela editora Orchises Press.
A novela já foi publicada uma vez, nunca em livro, mas na edição de 19 de junho de 1965, na revista "The New Yorker". Foi escrita como se fosse uma carta de Seymour Glass, menino precoce de sete anos habitual na obra de J.D. Salinger, para sua família.
Seria a conclusão da saga dos Glass, que aparecem ainda em "Franny e Zooey" (1961) e em "Carpinteiros, Levantem Bem Alto a Cumeeira" (1963). Para quem não se lembra, Seymour é o personagem que se suicida no fim do conto "A Perfect Day for Bananafish", publicado na coletânea "Nove Estórias" (1953).
Tudo faz sentido. Até a editora que aparece como responsável pelo livro novo, a Orchises, baseada em Alexandria (Estado de Virgínia) e comandada por Roger Lathbury, um professor de inglês da Universidade George Mason. A escolha de uma empresa nanica em vez dos milhões de dólares que as gigantes do ramo pagariam pelo título é puro Salinger.
Aí começam os problemas. Quando viram a data na Amazon, repetida por diversos sites, inclusive o da brasileira livraria Cultura, tanto a agente literária do escritor, Phyllis Westberg, quanto o próprio Mason desmentiram tudo. Segundo os dois, não há previsão de lançamento.
Assim, na última semana, o site da livraria virtual teve de tirar a informação do ar. "A incerteza é tanta que tivemos de fazer isso", disse Bill Curry, da Amazon. Agora, há apenas o "ainda não publicado" no lugar da data.
Mesmo assim, encomendas continuam sendo aceitas, embora Curry não divulgue quantos exemplares já foram pré-vendidos. O preço é US$ 22,25 (R$ 86,55 na Cultura), e o livro está em 31.556º lugar entre todos os títulos negociados pela rede.
Se o livro continua inédito, toda a confusão e o adiamento em torno dele são reprise. "Hapworth 16, 1924" já foi prometido antes, cinco anos atrás. Na época, a mesma Orchises confirmava que vinha Salinger novo por aí.
Foi quando entrou em cena uma das críticas literárias do jornal "The New York Times", Michiko Kakutani, ganhadora do Prêmio Pulitzer de 1996 justamente por uma série de reportagens sobre o autor americano.
Ela vasculhou os sebos de revistas da cidade e descobriu o exemplar da "New Yorker" que trazia a novela. Então, sem esperar o lançamento do livro, publicou sua resenha a partir do texto, em 20 de fevereiro de 1997.
Intitulada "From Salinger, a New Dash of Mystery" (De Salinger, uma Nova Onda de Mistério), a crítica era pouco lisonjeira. Com 1.600 palavras, terminava dizendo que o texto era "amargo, implausível e, triste dizer, completamente sem charme".
Na mesma semana em que saiu a resenha de Kakutani, sem dizer os motivos, a editora soltou nota afirmando que a publicação de "Hapworth" havia sido adiada, dessa vez indefinidamente.
Desde então, a página do site da Orchises dedicada ao livro traz a seguinte mensagem, que continua valendo como resposta aos recentes rumores, segundo Mason: "Como é de esperar em se tratando de um título de Salinger, há reviravoltas e mudanças. Pode haver atrasos inesperados no processo de publicação".
E termina: "Salinger sempre se recusou a tomar a via tradicional e parece que ele está se mantendo fiel aos seus princípios também na publicação deste livro".



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