São Paulo, quarta-feira, 27 de abril de 2005

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Pesquisador encontra gravação de Monk e Coltrane

Reprodução
O pianista americano Thelonious Monk, cuja banda participa de gravação da rádio Voz da América


BEN RATLIFF
DO "THE NEW YORK TIMES"

Poderíamos imaginar que o passado registrado da música americana já foi todo mapeado; que, depois de todos os livros acadêmicos e todos os relançamentos de CDs apresentados por estudiosos, já sabemos tudo o que existe de A a Z. Ou, pelo menos, que já conhecemos todas as obras importantes. Sempre vão continuar a surgir novidades de importância menor, intensificando as cores do quadro histórico e ampliando seu contexto.
Eis que aparece uma descoberta de peso maior: gravações contendo quase uma hora de música do quarteto de Thelonius Monk com John Coltrane, encontradas em janeiro na biblioteca do Congresso americano.
As fitas são a gravação de um concerto realizado no Carnegie Hall em 29 de novembro de 1957, um evento beneficente com renda revertida para um centro comunitário. O espetáculo foi gravado pela rádio internacional Voz da América, e as fitas também incluem apresentações da orquestra de Dizzy Gillespie, de Ray Charles com um sexto de back-up vocal, do quarteto Zoot Sims, com Chet Baker, e do trio Sonny Rollins.
Mas é Thelonius Monk e John Coltrane que constituem o achado principal. Essa banda existiu por apenas seis meses em 1957, principalmente em shows longos e célebres no clube Five Spot, no East Village. Durante esse período, Coltrane atingiu seu auge como improvisador, desafiado por Monk e pela disciplina de seu senso harmônico incomum. Assim teve início o período de dez anos durante o qual ele transformou o jazz por completo, antes de sua morte, em 1967. Com Coltrane, o quarteto Monk chegou a gravar três músicas num estúdio em 1957, mas sabe-se da existência de muito pouco material dos shows no Five Spot -o que existe está em gravação de baixa qualidade.
Já as oito e meia performances de Monk encontradas na biblioteca do Congresso são profissionalmente gravadas, com clareza e volume; é possível ouvir as dimensões plenas da bateria de Shadow Wilson e do baixo de Ahmed Abdul-Malik. Com certeza tem qualidade suficiente para virar lançamento comercial, embora isso ainda não tenha sido negociado.
Nas fitas, Thelonius Monk é o Monk que conhecemos, aquele cujo estilo ao piano já tinha sido formado, basicamente, pelo menos dez anos antes, com suas hesitações rítmicas e seus ralentandos repentinos. Ele deixa Coltrane se alongar em seus solos, com muito pouco acompanhamento; o saxofonista toca seqüências inteiras de improvisos originais. A exceção notável é seu solo em "Blue Monk". Em dez coros de blues, ele vai construindo um crescendo lógico, abaixando sua guarda, valendo-se menos de suas frases musicais habituais. As outras canções da fita, das duas apresentações da noite, são "Monk's Mood", "Evidence", "Crepuscule with Nellie", "Nutty", "Epistrophy", "Bye-Ya", "Sweet and Lovely" e uma truncada versão de "Epistrophy".
A música foi descoberta por acaso, durante o exercício rotineiro de transferência de fitas da coleção Voz da América da biblioteca do Congresso para arquivos sonoros digitais, para serem preservados na biblioteca. Larry Appelbaum, engenheiro de som, supervisor e especialista em jazz na biblioteca, disse que tinha entregue um lote de cerca de cem fitas para serem digitalizadas, em janeiro, e estava olhando para ver o que havia nelas, quando observou uma caixa de papelão de fitas de 7,5 polegadas com uma inscrição, o que despertou seu interesse. Ele viu que em uma das caixas contendo as fitas do Carnegie -havia oito ao todo- estava escrito "T. Monk". "Meu coração começou a bater forte", disse Appelbaum. Nenhuma das caixas continha menção a Coltrane.
Não é conhecida a existência de nenhuma gravação pirata do concerto; mesmo que ele tenha sido gravado, o registro nunca foi ao ar. Lewis Porter, especialista em Coltrane, sabia da possível existência da fita e tinha feito investigações a respeito anos atrás, mas, depois que uma busca inicial não rendeu resultados, ele esquecera completamente de sua existência.
A biblioteca do Congresso contém a maior coleção de gravações de som dos EUA, e, evidentemente, o jazz forma uma parte pequena de tudo isso. Várias coleções essenciais já foram totalmente catalogadas. Elas incluem tudo o que já foi gravado no auditório Coolidge, da biblioteca, incluindo os poetas T.S. Eliot, Robert Frost e Robert Lowell fazendo leituras de suas próprias obras, apresentações de música de câmera do Quarteto de Cordas de Budapeste e Jelly Roll Morton cantando por oito horas em 1938.
Mas entre as coleções que ainda estão sendo catalogadas estão as 50 mil fitas da Voz da América, que durante 40 anos foram guardadas numa sala escura e climatizada. As fitas constituem uma história do rádio e da música em Nova York. (A Voz da América também gravou o Newport Jazz entre 1955, o segundo ano do festival, e 1976, quatro anos depois da transferência do evento de Rhode Island para NY).
O bibliotecário e arquivista da Voz da América Michael Gray confirma que em 1957 -e durante muito tempo depois disso- a rádio também tinha acesso aos serviços da companhia gravadora do Carnegie Hall. A Voz da América era autorizada a gravar espetáculos do Carnegie Hall gratuitamente desde que transmitisse apenas para o exterior. Esse trabalho era visto como diplomacia pública por meio da música. É claro que alguns músicos não concordavam em ser gravados.
Além de satisfazer os fãs do jazz, a descoberta da fita de Thelonius Monk deixou Gino Francesconi, arquivista do Carnegie Hall desde 1986, emocionado com a idéia de que é possível que muito mais do passado do teatro possa estar conservado. "Sabíamos que a Voz da América gravava aqui. Mas não tínhamos qualquer documentação formal do fato. É fantástico saber dessa descoberta."

Tradução Clara Allain

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