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ANÁLISE
Autor tirou Paraguai da terra da ficção
MOACYR SCLIAR
COLUNISTA DA FOLHA
O escritor norte-americano Donald Barthelme é autor de um
conto chamado "Paraguay" em
que diz, a certa altura: "Assim, encontrei-me numa terra estranha".
O país latino-americano torna-se,
na narrativa, sinônimo de irrealidade. Uma visão ficcional, distorcida se a gente quiser, mas não
muito diferente daquela que nós,
brasileiros, adquiríamos na escola
ao ler sobre a Guerra do Paraguai.
Existe, contudo, um Paraguai
verdadeiro, um país sofrido e pobre, em cuja capital encontrei há
três anos esta figura verdadeiramente lendária da literatura hispânica Augusto Roa Bastos, de
biografia tão tumultuada quanto
a história de seu país.
Nascido em Assunção, era filho
de um pai aristocrático e autoritário e de uma mãe suave e gentil
que era grande leitora e o iniciou
na literatura. Fugiu de casa e, ainda adolescente, participou de
guerra contra a Bolívia. Anos
mais tarde percorreu a Europa,
trabalhando como jornalista. Regressou em 1947, mas teve de se
exilar por causa da ditadura.
Ficou fora de seu país um longo
período e exerceu vários ofícios,
inclusive de camareiro, vendedor
ambulante e carteiro, mas nunca
abandonou a literatura, escrevendo para jornais, teatro e cinema.
Leitor voraz, Roa Bastos estava
familiarizado com as obras de Rilke, Valéry, Cocteau, Eluard, Breton, Aragon e, especialmente,
Faulkner. Não surpreende, portando, que cedo tenha se encaminhado para a ficção. Em 1941 publicou sua primeira novela, "Fulgencio Miranda", que obteve um
prêmio literário. "El Trueno entre
las Hojas", de contos, foi publicado em 1953. Em 1960, aparece
"Hijo de Hombre", uma obra sobre os desmandos do poder e à
qual se seguiu aquela que é, sem
dúvida, sua obra-prima: "Eu, o
Supremo", baseada na história de
Gaspar Rodríguez de Francia, ditador do Paraguai por 26 anos.
Trata-se de uma meditação sobre aquele que é o tema favorito
de Roa Bastos, o poder, "uma situação que contraria qualquer lógica e que é o produto de uma sociedade doente", segundo suas
palavras. Autodenominado "o
Supremo", Francia declarou-se
ditador perpétuo e governou o
Paraguai como um feudo durante
a primeira metade do século 19.
O projeto, iniciado em 1967,
nasceu de um convite de Carlos
Fuentes e Vargas Llosa para que
Roa Bastos escrevesse um capítulo de um livro que se chamaria
"Los Padres de la Patria" e que
não chegou a se materializar. Mas
a idéia vingou em três obras memoráveis, que incluem, além do
livro de Roa Bastos (1974), "O Recurso do Método", de Alejo Carpentier (morto recentemente), e
"O Outono do Patriarca", de García Márquez, na qual a típica figura do caudilho é vista pelo realismo mágico que projetou a literatura do continente nos anos 60.
"Eu, o Supremo", com uma redação não convencional, distribuída por vários narradores, não
é de fácil leitura, mas se transformou num clássico e consagrou o
autor. Não é de admirar que seus
livros, mais de duas dezenas, em
vários gêneros, tenham sido amplamente traduzidos.
O encontro literário ao qual
compareci girava, merecidamente, em torno de Roa Bastos. Homem modesto, afável, que, através de sua sofrida vida e de sua
grandiosa obra, provou que o Paraguai (ao contrário do que imagina Barthelme) realmente existe.
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