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MÚSICA
Entre outros episódios da MPB, Zuza Homem de Mello afirma que "A Banda" venceu "Disparada" em concurso de 66
Bastidores revolvem era dos festivais
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
Um dos períodos-chave da música popular brasileira é revolvido
por dentro em "A Era dos Festivais - Uma Parábola", de Zuza
Homem de Mello, 69, musicólogo, pesquisador e testemunha
ocular de boa parte da história.
Zuza fecha foco no período
1960-1972, restringindo a esse intervalo o que chama de "era dos
festivais" -para ele, só ali houve
eventos de íntima ligação entre
participação política e estética.
O livro confere sabor de ineditismo a diversas passagens que
cruzam bastidores (o autor foi
técnico de som dos principais festivais da TV Record), pesquisa e
contexto político.
Mello formula, por exemplo, nova versão sobre o suposto empate,
em 66, entre "A Banda", de Chico
Buarque, e "Disparada", de Geraldo Vandré e Théo de Barros.
Sugere a figura do compositor
Gutemberg Guarabyra como
uma espécie de agente subversivo
infiltrado na direção artística do
Festival Internacional da Canção
de 70, da Rede Globo. E descreve
um cerco que o regime militar teria promovido sobre um levante
de movimento black naquele
mesmo festival, perturbando planos do então presidente Emílio
Médici de integrar o FIC ao espírito "pra frente, Brasil" de 70.
Tendo guardado no cofre de sua
casa as cédulas de votação do festival da Record de 66, Mello revela
que "A Banda" seria a real vitoriosa, por sete votos a cinco. Diz que
Chico teria exigido o empate, supostamente por acreditar na superioridade da rival "Disparada".
Procurado pela Folha para confirmar ou negar a nova versão,
Chico não quis se manifestar.
O livro conta que Guarabyra,
além de funcionário da Globo,
mantinha estreitos laços com organizações de esquerda. Seu apartamento, situado em frente a uma delegacia, era também esconderijo e entreposto de armas. "Duvido
que alguém soubesse disso até hoje, mesmo na Globo", diz Mello.
"Nunca falou a ninguém, porque
ninguém perguntou."
Guarabyra teria atuado na articulação da desistência conjunta
de Chico, Tom Jobim, Paulinho
da Viola e outros em participar do
festival de 70, tumultuando o
evento e denunciando assim as
restrições impostas aos artistas
pela censura militar.
Diz Guarabyra, que só recentemente revelou sua história ao escritor: "Eu não era um agente duplo, mas não achava justo usar
um festival para fazer propaganda
de um regime que tinha a oposição de todos os artistas".
Diz que escapou de "receber
uma lição" porque fugiu para
Brasília e conseguiu que se lesse
no Congresso um manifesto dos
autores, contando o que a Globo
não mostrara. Enquanto isso
acontecia por trás, na tela propósitos ufanistas eram derrotados
pela soturna "BR-3", defendida
pelo black power Toni Tornado.
Mais confusão houve na fase internacional do festival, quando o
maestro negro Erlon Chaves
ofendeu o regime ao cantar "Eu
Também Quero Mocotó" (de Jorge Ben) rodeado de moças brancas seminuas, que dançavam e acariciavam-no sensualmente.
"Toni Tornado tinha uma consciência social de que as pessoas
não têm idéia. Não por acaso, ele,
Erlon e Wilson Simonal eram negros. Depois do FIC, o regime caiu
violentamente sobre eles", afirma.
São algumas das histórias desvendadas em "A Era dos Festivais", que ainda discorre sobre a ruína de Geraldo Vandré após o FIC de 68, histórias policialescas de fãs politizadas e, claro, o auge das disputas entre os "ortodoxos" (Chico, Vandré, Elis) e os tropicalistas (Caetano e Gil) em 67, antes de a parábola começar a cair.
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