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São Paulo, terça-feira, 27 de maio de 2003

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CRÍTICA

Autor atinge feridas entre MPB e regime militar

DA REPORTAGEM LOCAL

A parábola fixada por Zuza Homem de Mello no subtítulo de "A Era dos Festivais" define a trajetória de ascensão e queda artística dos heróicos festivais musicais que revelaram quase todo mundo que se conhece até hoje entre os veteranos da MPB.
Curiosamente, o livro por si é o inverso dessa mesma parábola. Começa morno, pelos muito e sempre rememorados festivais de 65, 66 e 67 -em que brilharam Elis Regina, Chico Buarque, Geraldo Vandré, Edu Lobo, Caetano Veloso, Gilberto Gil.
Mas a parábola de Zuza só vai ficar literalmente eletrizante ao abordar a fase mais obscura dos festivais, após o garrote de 68. A partir daí, é prender o fôlego e mergulhar no inacreditável.
A história trágica de Geraldo Vandré é narrada como nunca antes. Sem precisar ser explícito, o autor destrincha como Vandré se desestruturou por si, encurralado de um lado pela espreita militar, de outro pelo avanço modernizador do tropicalismo.
Parte dali para desanuviar outra figura de proa da resistência de esquerda -o até hoje discreto Gutemberg Guarabyra.
Esmiúça sob a ótica da MPB as dramáticas dualidades de 1970, quando militantes de esquerda organizavam festivais para a servil Rede Globo e artistas negros pretensamente despolitizados abalavam os nervos do regime.
Novamente sem apelar à explicitação, Mello vai narrando a ruína de Toni Tornado (prisão, exílio, abandono de carreira promissora), Erlon Chaves (prisão, morte por infarto), Tibério Gaspar (afirmação pelo colunista Ibrahim Sued de que sua "BR-3" era sobre drogas), enfim Wilson Simonal.
Simétrico à direita de Vandré, Simonal era o artista mais popular do Brasil em 70. Entretinha o público do FIC enquanto não se sabia se quem ia vencer era Tornado (então namorando a atriz branca Arlete Salles) ou Erlon (idem com Vera Fischer). Em 72, Simonal estaria definitivamente arruinado por envolvimento com militares, processos, prisão, acusações de deduragem.
Mello deixa ao leitor a tarefa de articular tantas informações e chegar a conclusões próprias sobre elas -esse é um dos maiores trunfos de seu livro. Outro é a reunião minuciosa e obsessiva de toneladas de informações preciosas (e muitas vezes praticamente inéditas) sobre o período mais feérico da "moderna MPB".
Deviam-se ao Brasil pós-militar livros assim ambientados no universo cultural, Mello faz-se primeiro agente do acerto de contas.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


A Era dos Festivais - Uma Parábola    
Autor: Zuza Homem de Mello
Editora: 34
Quanto: R$ 54 (528 págs.)



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