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CRÍTICA
Artista vê vivos e mortos andando de mãos dadas
BRUNO YUTAKA SAITO
DA REDAÇÃO
O mundo dos vivos e o
mundo dos mortos se entrelaçam em "Canções Dentro
da Noite Escura", disco em que
Lobão explicita sua modernidade da nostalgia, para além do
mero espírito saudosista que
conduz a música brasileira de
revivals e carreiras decadentes.
Não que o músico tenha se
rendido às facilidades da indústria ou que a sessão espírita
das "parcerias" com artistas
malditos -Cazuza, Júlio Barroso e Cássia Eller- indique
oportunismo ou um homem
que não consegue se livrar do
passado. Lobão é a exceção.
O músico fala sobre o assustador presente de dramas pessoais que percorrem um Brasil
povoado por fantasmas, governado por um presidente de
ideais já esquecidos, país de um
Rio de Janeiro apocalíptico que
em nada lembra idílicas paisagens tropicais.
Nessa "ópera-rock passada
no Baixo Leblon", Lobão começa sua descida ao inferno
em "Pra Sempre Esta Noite",
rock mergulhado em batidas
drum'n'bass -musicalmente,
o disco todo é pesado, com guitarras altas, sombrio, nada alegre, mais uma notória banana
do artista para as rádios.
Começa então sua caminhada noite adentro, de imagens e
palavras recorrentes (onda, silêncio, saudade), de excessos e
flertes com a morte (suicídio,
Aids e mistério dividem espaço
com os três "convidados").
"Seda" tem autor (Cazuza)
que não vê mais utopias, afirmando que Bob Dylan "está invisível agora, sem segredos" e
dando grito agudo que "já não
encontra eco", enquanto, em
"Boa Noite Cinderela", afunda
na fúria ["minha malandragem"]; "Homem-Bomba (Basta!, É o Caralho)" visualiza uma
guerra ("O pesadelo é uma espécie de passatempo").
"Você e a Noite Escura" resume o ato de criação do disco:
"Eu me sinto um fantasma/ arrancando flores no jardim à
meia-noite". O ápice desse Lobão/Brasil atordoado vem em
"Balada do Inimigo", retrato de
um mundo sem fé, em busca da
"salvação triste" do domingo/
céu em que figura um sorridente Silvio Santos.
Após essa madrugada expressionista, a manhã clara começa a dar os primeiros sinais
em "Tranqüilo" ("Meu medo
me ensinou como ter coragem"), para em "Quente" e
"Não Quero o Seu Perdão", as
"parcerias" com Júlio Barroso,
surgir a desconfiada possibilidade de redenção.
Entre os vivos, Lobão surge
como assombração, já que é a
voz contrária que não quer ser
abafada, o doidão que não foi
embora com os parceiros de
loucuras, o desafeto da indústria. Resta saber quem está no
mundo dos mortos e quem está
no mundo dos vivos.
Canções Dentro da Noite
Escura
Artista: Lobão
Lançamento: independente, na revista "Outracoisa" (edição de junho, ainda sem preço definido)
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