São Paulo, sexta-feira, 27 de maio de 2005

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CRÍTICA

Artista vê vivos e mortos andando de mãos dadas

BRUNO YUTAKA SAITO
DA REDAÇÃO

O mundo dos vivos e o mundo dos mortos se entrelaçam em "Canções Dentro da Noite Escura", disco em que Lobão explicita sua modernidade da nostalgia, para além do mero espírito saudosista que conduz a música brasileira de revivals e carreiras decadentes.
Não que o músico tenha se rendido às facilidades da indústria ou que a sessão espírita das "parcerias" com artistas malditos -Cazuza, Júlio Barroso e Cássia Eller- indique oportunismo ou um homem que não consegue se livrar do passado. Lobão é a exceção.
O músico fala sobre o assustador presente de dramas pessoais que percorrem um Brasil povoado por fantasmas, governado por um presidente de ideais já esquecidos, país de um Rio de Janeiro apocalíptico que em nada lembra idílicas paisagens tropicais.
Nessa "ópera-rock passada no Baixo Leblon", Lobão começa sua descida ao inferno em "Pra Sempre Esta Noite", rock mergulhado em batidas drum'n'bass -musicalmente, o disco todo é pesado, com guitarras altas, sombrio, nada alegre, mais uma notória banana do artista para as rádios.
Começa então sua caminhada noite adentro, de imagens e palavras recorrentes (onda, silêncio, saudade), de excessos e flertes com a morte (suicídio, Aids e mistério dividem espaço com os três "convidados").
"Seda" tem autor (Cazuza) que não vê mais utopias, afirmando que Bob Dylan "está invisível agora, sem segredos" e dando grito agudo que "já não encontra eco", enquanto, em "Boa Noite Cinderela", afunda na fúria ["minha malandragem"]; "Homem-Bomba (Basta!, É o Caralho)" visualiza uma guerra ("O pesadelo é uma espécie de passatempo").
"Você e a Noite Escura" resume o ato de criação do disco: "Eu me sinto um fantasma/ arrancando flores no jardim à meia-noite". O ápice desse Lobão/Brasil atordoado vem em "Balada do Inimigo", retrato de um mundo sem fé, em busca da "salvação triste" do domingo/ céu em que figura um sorridente Silvio Santos.
Após essa madrugada expressionista, a manhã clara começa a dar os primeiros sinais em "Tranqüilo" ("Meu medo me ensinou como ter coragem"), para em "Quente" e "Não Quero o Seu Perdão", as "parcerias" com Júlio Barroso, surgir a desconfiada possibilidade de redenção.
Entre os vivos, Lobão surge como assombração, já que é a voz contrária que não quer ser abafada, o doidão que não foi embora com os parceiros de loucuras, o desafeto da indústria. Resta saber quem está no mundo dos mortos e quem está no mundo dos vivos.
Canções Dentro da Noite Escura


   
Artista: Lobão
Lançamento: independente, na revista "Outracoisa" (edição de junho, ainda sem preço definido)


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