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ROCK
"Canções Dentro da Noite Escura" sai no mês que vem em sua revista e homenageia Júlio Barroso, Cazuza e Cássia Eller
Lobão grava disco com os amigos... que já se foram
DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL
Além de se bater contra a indústria fonográfica ("que é violenta,
opressora e burra") e a favor dos
independentes ("a coisa mais sofisticada que se tem no Brasil
atualmente"), Lobão, 47, também
canta e toca. Pois é...
Há quatro anos sem lançar nada, o músico e compositor carioca
volta em junho às lojas -ou melhor, às bancas de revista- com
"Canções Dentro da Noite Escura", em suas palavras "uma ópera-rock no baixo Leblon" composta em "parceria" com Júlio
Barroso (1953-84), Cazuza (1958-90) e Cássia Eller (1962-2001).
Mas, antes que pensem que o lobo virou médium, cabe explicar:
"Seda", a dobradinha com Cazuza, surgiu a partir de uma letra
doada pela mãe do compositor a
ele; "Não Quero o seu Perdão" e
"Quente", em que Barroso "aparece", foram feitas a partir de seus
poemas e de um manuscrito inédito deixado pelo ex-líder da
Gang 90; e "Boa Noite, Cinderela", a música de Cássia, ganhou vida no apartamento de Lobão na
mesma noite em que ela morreu.
"É um disco passado numa noite chuvosa, que representa desde
o luto até a possibilidade de brilhar. Um disco com coisas inéditas, olhando para frente em termos estéticos, podendo tratar o
ódio, o suicídio e a morte com naturalidade", sugere Lobão, que falou à Folha de um hotel em São
Paulo, para onde tem viajado regularmente para as gravações de
seu novo programa de TV, o talk
show "Saca-Rolha", que apresenta com Marcelo Tas e Mariana
Weickert no canal 21.
De volta aos (velhos) amigos:
"Foi um prazer trabalhar com eles
e ver o quão vivos ainda estavam.
Botava seus retratos na minha
frente e perguntava: está legal assim? Eles me davam textos, cantarolavam uma melodia, e eu completava", revela, descrevendo detalhes do processo de gravação,
realizado quase todo a sós, com
Lobão na bateria, Lobão na guitarra, Lobão no vocal, Lobão nos
teclados, Lobão na mesa de som
-e, esporadicamente, com parceiros de carne-e-osso como o
produtor Carlos Trilha e os bateristas Marcelo Costa e Pedrinho,
ex-Planet Hemp.
Nostalgia, o #@$&!
Fã de "Cena de Cinema" (83) e
"Ronaldo Foi pra Guerra" (84)
("Acho que não acertei muito depois desses dois primeiros"), o
autor do novo "Canções na Noite
Escura" nega, no entanto, que venha sofrendo do mesmo mal que
teima em impedir que os fantasmas -muitos ainda bem vivos-
do pop oitentista abandonem de
uma vez por todas o mercado.
"Está todo mundo tendo esse
acesso de nostalgia, mas o meu
não é um disco nostálgico. As músicas foram feitas com o intuito de
elaborar o que eles [Barroso, Cazuza e Cássia] gostariam de estar
fazendo agora. O Julio gostava
muito de música eletrônica, de
coisas esquisitas e vanguardosas,
então fiz um trip hop, uma coisa
meio etérea, que acho que ele gostaria de ouvir. Eu, como amigo
dele, poderia chutar isso. Já a da
Cássia é um blues pesadíssimo
que, se ela cantasse, acredito que
cantaria dessa forma."
Será possível encontrar substitutos à altura? "Eles são irrepetíveis. Plantaram uma semente, e a
partir dali uma coisa nova está
nascendo", justifica, ampliando a
genealogia para Chico Science e
Raimundos, nos anos 90, e BNegão, Mombojó e Cachorro Grande, nos 00 -estes três lançados
pela sua revista de música "Outracoisa", que, com "Canções Dentro da Noite Escura", chega à sua
décima edição em dois anos.
Pois o presente, a propósito, é
tema que também lhe agrada.
"Acredito que nunca teve tanta
coisa excepcional como hoje. Assim como a geração dos anos 60,
que veio através dos festivais, a
geração atual vai surgir pelo movimento independente. Quem vai
escrever a história da música brasileira desse período vai estar na
independência", aposta.
E aproveita o palanque: "Fui
muito reticente na época de "A Vida É Doce" [disco de 1999, primeiro que Lobão lançou diretamente
para venda em banca]. Não sabia
se daria certo, se seria um modelo
para todo mundo. Hoje, posso dizer: "Rapaziada, pode vir que está
tudo certo. Tentem mesmo, vão
fundo que o prato é raso. A hora é
essa, vamos mudar tudo, que a
gente está conseguindo!'".
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