São Paulo, sexta-feira, 27 de maio de 2005

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ROCK

"Canções Dentro da Noite Escura" sai no mês que vem em sua revista e homenageia Júlio Barroso, Cazuza e Cássia Eller

Lobão grava disco com os amigos... que já se foram

DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL

Além de se bater contra a indústria fonográfica ("que é violenta, opressora e burra") e a favor dos independentes ("a coisa mais sofisticada que se tem no Brasil atualmente"), Lobão, 47, também canta e toca. Pois é...
Há quatro anos sem lançar nada, o músico e compositor carioca volta em junho às lojas -ou melhor, às bancas de revista- com "Canções Dentro da Noite Escura", em suas palavras "uma ópera-rock no baixo Leblon" composta em "parceria" com Júlio Barroso (1953-84), Cazuza (1958-90) e Cássia Eller (1962-2001).
Mas, antes que pensem que o lobo virou médium, cabe explicar: "Seda", a dobradinha com Cazuza, surgiu a partir de uma letra doada pela mãe do compositor a ele; "Não Quero o seu Perdão" e "Quente", em que Barroso "aparece", foram feitas a partir de seus poemas e de um manuscrito inédito deixado pelo ex-líder da Gang 90; e "Boa Noite, Cinderela", a música de Cássia, ganhou vida no apartamento de Lobão na mesma noite em que ela morreu.
"É um disco passado numa noite chuvosa, que representa desde o luto até a possibilidade de brilhar. Um disco com coisas inéditas, olhando para frente em termos estéticos, podendo tratar o ódio, o suicídio e a morte com naturalidade", sugere Lobão, que falou à Folha de um hotel em São Paulo, para onde tem viajado regularmente para as gravações de seu novo programa de TV, o talk show "Saca-Rolha", que apresenta com Marcelo Tas e Mariana Weickert no canal 21.
De volta aos (velhos) amigos: "Foi um prazer trabalhar com eles e ver o quão vivos ainda estavam. Botava seus retratos na minha frente e perguntava: está legal assim? Eles me davam textos, cantarolavam uma melodia, e eu completava", revela, descrevendo detalhes do processo de gravação, realizado quase todo a sós, com Lobão na bateria, Lobão na guitarra, Lobão no vocal, Lobão nos teclados, Lobão na mesa de som -e, esporadicamente, com parceiros de carne-e-osso como o produtor Carlos Trilha e os bateristas Marcelo Costa e Pedrinho, ex-Planet Hemp.

Nostalgia, o #@$&!
Fã de "Cena de Cinema" (83) e "Ronaldo Foi pra Guerra" (84) ("Acho que não acertei muito depois desses dois primeiros"), o autor do novo "Canções na Noite Escura" nega, no entanto, que venha sofrendo do mesmo mal que teima em impedir que os fantasmas -muitos ainda bem vivos- do pop oitentista abandonem de uma vez por todas o mercado.
"Está todo mundo tendo esse acesso de nostalgia, mas o meu não é um disco nostálgico. As músicas foram feitas com o intuito de elaborar o que eles [Barroso, Cazuza e Cássia] gostariam de estar fazendo agora. O Julio gostava muito de música eletrônica, de coisas esquisitas e vanguardosas, então fiz um trip hop, uma coisa meio etérea, que acho que ele gostaria de ouvir. Eu, como amigo dele, poderia chutar isso. Já a da Cássia é um blues pesadíssimo que, se ela cantasse, acredito que cantaria dessa forma."
Será possível encontrar substitutos à altura? "Eles são irrepetíveis. Plantaram uma semente, e a partir dali uma coisa nova está nascendo", justifica, ampliando a genealogia para Chico Science e Raimundos, nos anos 90, e BNegão, Mombojó e Cachorro Grande, nos 00 -estes três lançados pela sua revista de música "Outracoisa", que, com "Canções Dentro da Noite Escura", chega à sua décima edição em dois anos.
Pois o presente, a propósito, é tema que também lhe agrada. "Acredito que nunca teve tanta coisa excepcional como hoje. Assim como a geração dos anos 60, que veio através dos festivais, a geração atual vai surgir pelo movimento independente. Quem vai escrever a história da música brasileira desse período vai estar na independência", aposta.
E aproveita o palanque: "Fui muito reticente na época de "A Vida É Doce" [disco de 1999, primeiro que Lobão lançou diretamente para venda em banca]. Não sabia se daria certo, se seria um modelo para todo mundo. Hoje, posso dizer: "Rapaziada, pode vir que está tudo certo. Tentem mesmo, vão fundo que o prato é raso. A hora é essa, vamos mudar tudo, que a gente está conseguindo!'".

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