São Paulo, domingo, 27 de maio de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Crítica/John Wayne

Ícone do cinema, John Wayne personificou América ambígua

Um dos atores mais emblemáticos dos faroestes nasceu em Iowa há cem anos

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Não era preciso ninguém dizer a John Wayne que ele não era um bom ator. Ele era o primeiro a dizer. Mas como o cinema não se faz só de bons atores e, de certa forma, é possível que eles não tenham toda essa importância, Wayne tornou-se a mais perfeita encarnação da América no século 20, pelos filmes que interpretou e dirigiu.
Wayne nasceu em 26 de maio de 1907, com o nome de Marion Morrison, em Winterset, Iowa. O centenário do ator-ícone pode ser "festejado" pelo público ao ver seus DVDs no Brasil.
Henry Fonda pode ser a efígie da virtude; Randolph Scott, a encarnação do estoicismo; James Stewart, a prova de que o valor moral precede a virtude física. Foram caubóis absolutos. Mas Wayne ia além.
Ele era dotado de uma vulgaridade que ninguém mais tinha. Qualquer um podia se identificar com ele.
Sua imagem destilava a calma superioridade característica de um Fonda -mas sua causa era imediata, não abstrata.
Scott não era muito inteligente. Mas podia-se contar com ele. No final ele estaria lá, na batalha. Com Wayne também podíamos contar, mas sua figura misturava a teimosia com uma grande capacidade de compreender a lógica da situação em que estava metido.
Duke -seu apelido na infância- raramente se mostrava irado, ao contrário de Stewart. O caubói de Stewart era um ser de força moral incomum. Espantava-se com frequência.
John Wayne não se espantava. Era dotado de um conhecimento prático. Sua sabedoria podia ser limitada, mas era enormemente precisa.
Se outros grandes caubóis encarnaram as virtudes da América, Wayne trazia também seus defeitos. Não era apenas um adepto da vida em liberdade dotado de espírito de conquista. Era quase sempre truculento, não raro ambicioso demais, por vezes sádico.
Nos melhores papéis, está longe de ser um mocinho: o Ethan Edwards de "Rastros de Ódio" (1956) e o Dunson de "Rio Vermelho" (1948) estão longe de ser figuras unívocas de virtude. Só Duke poderia ser cheio de ódio, vingativo, racista, violento. Isso sem deixar de suscitar a admiração do espectador -e, portanto, sem comprometer o êxito do filme.
Wayne já começou a carreira no Oeste, no papel principal de "A Grande Jornada" (1930), de Raoul Walsh. Diz-se que, por causa desse filme, John Ford -que o teria descoberto antes de Walsh- deixou-o no limbo durante anos. O ator foi condenado a uma série infindável de filmes "B" até ser resgatado por Ford para estrelar "No Tempo das Diligências" (1939).
O filme emplacou. E também a imagem de Wayne como protótipo do herói americano em tempo de guerra. Guerra, aliás, por conta da qual fez uma pilha de filmes secundários.
Wayne podia trabalhar muito bem em outros registros -basta ver "Depois do Vendaval" (1952). Mas seu pedaço eram o faroeste e a guerra. Os filmes que dirigiu foram, não por acaso, "O Álamo" (1960), faroeste pomposo sobre a resistência dos texanos aos mexicanos; e "Os Boinas Verdes", em 1968: uma aventura bem dirigida, arruinada pela defesa insensata da Guerra do Vietnã.
Sim, porque Wayne era um reacionário de carteirinha. Talvez para mostrar seu apreço, naquela hora difícil em que todo mundo o ridicularizava, Hollywood concedeu-lhe o Oscar de melhor ator de 1969 por "Bravura Indômita", um filme mediano de Henry Hathaway.
A essa altura o câncer já o atormentava. Deixou de fumar seus cinco maços de cigarro diários. Isso não impediu a progressão do mal, que o levaria a uma notável interpretação, em "O Último Pistoleiro" (1976), de Don Siegel, em que interpreta, justamente, um atirador que está morrendo de câncer.
A última imagem não foi boa: o homem enorme e alquebrado recebia o Oscar honorário, imensamente aplaudido pela platéia. Aquele homem parecia um fantasma do John Wayne que conhecíamos. Morreria pouco tempo depois, em 11 de junho de 1979, aos 72 anos.


Texto Anterior: Personagens: Cabaceirenses viram dublês e figurantes
Próximo Texto: O melhor de Wayne em DVD
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.