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Crítica/John Wayne
Ícone do cinema, John Wayne personificou América ambígua
Um dos atores mais emblemáticos dos faroestes nasceu em Iowa há cem anos
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Não era preciso ninguém dizer a John
Wayne que ele não era
um bom ator. Ele era o primeiro a dizer. Mas como o cinema
não se faz só de bons atores e,
de certa forma, é possível que
eles não tenham toda essa importância, Wayne tornou-se a
mais perfeita encarnação da
América no século 20, pelos filmes que interpretou e dirigiu.
Wayne nasceu em 26 de maio
de 1907, com o nome de Marion
Morrison, em Winterset, Iowa.
O centenário do ator-ícone pode ser "festejado" pelo público
ao ver seus DVDs no Brasil.
Henry Fonda pode ser a efígie da virtude; Randolph Scott,
a encarnação do estoicismo; James Stewart, a prova de que o
valor moral precede a virtude
física. Foram caubóis absolutos. Mas Wayne ia além.
Ele era dotado de uma vulgaridade que ninguém mais tinha. Qualquer um podia se
identificar com ele.
Sua imagem destilava a calma superioridade característica de um Fonda -mas sua causa era imediata, não abstrata.
Scott não era muito inteligente. Mas podia-se contar
com ele. No final ele estaria lá,
na batalha. Com Wayne também podíamos contar, mas sua
figura misturava a teimosia
com uma grande capacidade de
compreender a lógica da situação em que estava metido.
Duke -seu apelido na infância- raramente se mostrava
irado, ao contrário de Stewart.
O caubói de Stewart era um ser
de força moral incomum. Espantava-se com frequência.
John Wayne não se espantava. Era dotado de um conhecimento prático. Sua sabedoria
podia ser limitada, mas era
enormemente precisa.
Se outros grandes caubóis
encarnaram as virtudes da
América, Wayne trazia também seus defeitos. Não era apenas um adepto da vida em liberdade dotado de espírito de conquista. Era quase sempre truculento, não raro ambicioso demais, por vezes sádico.
Nos melhores papéis, está
longe de ser um mocinho: o
Ethan Edwards de "Rastros de
Ódio" (1956) e o Dunson de
"Rio Vermelho" (1948) estão
longe de ser figuras unívocas de
virtude. Só Duke poderia ser
cheio de ódio, vingativo, racista, violento. Isso sem deixar de
suscitar a admiração do espectador -e, portanto, sem comprometer o êxito do filme.
Wayne já começou a carreira
no Oeste, no papel principal de
"A Grande Jornada" (1930), de
Raoul Walsh. Diz-se que, por
causa desse filme, John Ford
-que o teria descoberto antes
de Walsh- deixou-o no limbo
durante anos. O ator foi condenado a uma série infindável de
filmes "B" até ser resgatado por
Ford para estrelar "No Tempo
das Diligências" (1939).
O filme emplacou. E também
a imagem de Wayne como protótipo do herói americano em
tempo de guerra. Guerra, aliás,
por conta da qual fez uma pilha
de filmes secundários.
Wayne podia trabalhar muito bem em outros registros
-basta ver "Depois do Vendaval" (1952). Mas seu pedaço
eram o faroeste e a guerra. Os
filmes que dirigiu foram, não
por acaso, "O Álamo" (1960),
faroeste pomposo sobre a resistência dos texanos aos mexicanos; e "Os Boinas Verdes", em
1968: uma aventura bem dirigida, arruinada pela defesa insensata da Guerra do Vietnã.
Sim, porque Wayne era um
reacionário de carteirinha. Talvez para mostrar seu apreço,
naquela hora difícil em que todo mundo o ridicularizava,
Hollywood concedeu-lhe o Oscar de melhor ator de 1969 por
"Bravura Indômita", um filme
mediano de Henry Hathaway.
A essa altura o câncer já o
atormentava. Deixou de fumar
seus cinco maços de cigarro
diários. Isso não impediu a progressão do mal, que o levaria a
uma notável interpretação, em
"O Último Pistoleiro" (1976),
de Don Siegel, em que interpreta, justamente, um atirador que
está morrendo de câncer.
A última imagem não foi boa:
o homem enorme e alquebrado
recebia o Oscar honorário,
imensamente aplaudido pela
platéia. Aquele homem parecia
um fantasma do John Wayne
que conhecíamos. Morreria
pouco tempo depois, em 11 de
junho de 1979, aos 72 anos.
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