UOL


São Paulo, sexta-feira, 27 de junho de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Romeu & Julieta
(SEM VENENO)

Divulgação
Renato Aragão em cena de "Didi, o Cupido Trapalhão", seu 42º título no cinema, que estréia hoje



"Didi, o Cupido Trapalhão" adapta tragédia shakespeariana ao modelo de chanchada que caracteriza o cinema do ator Renato Aragão


SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

O humorista Renato Aragão discorda de Shakespeare. "Primeiro, li a peça ["Romeu e Julieta'], depois vi duas encenações e nunca achei que os jovens deveriam morrer daquela maneira."
Aos 68 anos e com 41 títulos lançados -todos tributários da chanchada e 23 deles entre os maiores sucessos nacionais de público-, Aragão decidiu incluir em sua filmografia a adaptação de uma tragédia, para "corrigir" o desfecho shakespeariano dos amantes. "Didi, o Cupido Trapalhão", dirigido por Paulo Aragão, estréia hoje.
Na entrevista a seguir, o homem de cinema e TV por trás do personagem Didi comenta sobre a crítica, fala de seu público e da dor de perder Mussum, Zacarias e Tião Macalé, "um trapalhão adotivo".
 

Folha - O sr. tem 23 filmes entre os 50 maiores sucessos de bilheteria registrados no cinema brasileiro. Segue uma fórmula para isso?
Renato Aragão -
Ando atrás dessa fórmula há anos. Nunca sei qual é. Mas sempre escrevo o roteiro de calças curtas. Meus filmes são feitos para as crianças. A fórmula é delas, não minha. Às vezes me dizem que tenho de ensiná-las. Eu não. Quem ensina a criança é professor.
No dia em que eu for chamado de tio, perco todo o meu trabalho. Quero ser cúmplice, não instrutor, professor, nada disso. Quero brincar com elas, participar do mesmo mundinho, como se fosse da mesma idade.

Folha - Em 1983, o sr. fez "O Cangaceiro Trapalhão", que retoma o ponto de partida de um ícone da cinematografia brasileira, "O Cangaceiro" (1953), de Lima Barreto. Era uma forma de dizer que merece um lugar de importância que a crítica não lhe atribui?
Aragão -
Quando comecei a fazer filmes, apanhei muito, muito da crítica.

Folha - Doeu?
Aragão -
Doía. Às vezes, sim; às vezes, não. Às vezes eles tinham razão. Fiquei pensando em como agradar à crítica e fiz "Os Trapalhões no Auto da Compadecida" (1987). Foi um sucesso. O bonequinho do cinema, em vez de aplaudir, deu cambalhotas. A crítica elogiou muito, mas o público não foi. Minha bilheteria, que era de 4 milhões de espectadores, caiu para 2,5 milhões. Vi que, se fosse agradar à crítica, perderia meu público cativo. Decidi pelo meu público. Voltei a fazer as chanchadas, e o público subiu de novo.

Folha - O sr. ficou contente com sua escolha entre crítica e público?
Aragão -
Não. Queria os dois. Não gostaria de perder nem um nem outro. Ainda vou fazer um filme que agrade a ambos.

Folha - Mas especialistas no mercado de cinema avaliam que, mundialmente, o fosso entre a crítica e o público apenas cresce.
Aragão -
Acho que não. Vejo que existe um preconceito e que também falta sinceridade. Quem disser que um filme do Didi é bom se compromete com os intelectuais do cinema. Até compreendo. Não falo isso com rancor, mas com compreensão.

Folha - O sr. acompanha a produção atual do cinema brasileiro?
Aragão -
Não acompanho nada. Sou alienado. Não vou nem aos meus filmes.

Folha - O padrão de exigência das crianças mudou conforme as gerações?
Aragão -
Mudou muito. Sou um palhaço do circo de luz que é a TV Globo e a telona do cinema. Meu tipo de trabalho é humor físico, visual, não de piada. Desde o tempo em que comecei, em 1964, até aqui, a criança mudou muito. As de hoje têm muita informação, não só cinematográfica e televisiva, mas também a que chegou com o computador, os videogames. É uma série de informações que faz a criança ir ficando cada vez mais adulta. A informação que eu tinha com quatro anos de idade era a de um bebê perto da que a minha filha tem aos quatro anos hoje. Ela fala coisas que eu jamais falaria com essa idade.

Folha - Essa mudança obrigou o sr. a usar mais tecnologia em seus filmes?
Aragão -
Tecnologia eu jamais incluiria, porque meu humor é muito simples, é uma coisa de palhaço. O que me preocupa hoje são esses jogos e filmes violentos. Outro dia, vi uma pesquisa segundo a qual se exibem 60 assassinatos por dia nos filmes de TV. Que tipo de informação estamos oferecendo às crianças? Depois a gente quer cobrar um mundo para o qual nós mesmos não educamos as crianças. Tecnologia aplicada ao entretenimento dessa forma, para mim, é um crime.

Folha - Mas a narrativa de seus filmes não teve de se tornar mais rápida?
Aragão -
Muito. Com o advento do vídeo, que substituiu a película, surgiu a possibilidade de fazer trucagens baratas. Antes, tinha que ir para os Estados Unidos, trazer técnico americano. Agora, facilitou meu trabalho.

Folha - O sr. pretende voltar a fazer filmes com Xuxa?
Aragão -
Sempre falamos em fazer um filme juntos, mas aí vêm as idéias, e cada um sai para um lado. Ela vai fazer o "Duendes 3", e eu, o "Didi na Ilha Misteriosa". Hoje já não posso mais fazer dois filmes por ano, como fazia antes. Mas quem sabe um dia a gente ainda coincida em outro filme.

Folha - Para fazer um filme por ano, o sr. se obriga a ter idéias?
Aragão -
Não me obrigo; me coça. Quando acabo um, já penso em outro que teria sido melhor.

Folha - Depois do fim do quarteto Didi, Dedé, Mussum e Zacarias, o sr. encontrou outros parceiros com quem falasse a mesma língua?
Aragão -
Eles são insubstituíveis, e sinto muita falta deles. Perdi praticamente três companheiros, porque o Tião Macalé era um trapalhão adotivo. Quando perdi Zacarias e Mussum, parei durante seis anos. Pensei em não trabalhar mais em televisão ou cinema. Não queria fazer absolutamente mais nada. Eu precisava deles, eles não estavam aqui. Não queria procurar mais ninguém para trabalhar.
Mas o tempo é quem destrói e quem constrói. Comecei a sentir falta do palco e pensei que não podia ficar viúvo tanto tempo assim. Decidi fazer um filme para ver se o público ainda se lembrava de mim. Fiz "O Noviço Rebelde" (1997). Foi um sucesso. Voltei a ficar alegre.


Texto Anterior: "A tropicália machucou a MPB", diz Airto Moreira
Próximo Texto: Crítica: Comediante conduz subproduto da relação entre TV e cinema
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.