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São Paulo, sexta-feira, 27 de junho de 2003

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CINEMA/ESTRÉIA

"HULK"

Neoconservadorismo da Era Bush contamina também produção de Ang Lee

Quando o adorável monstro Shrek perdeu seu humor

SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL

O problema de "Hulk" ("The Hulk"), novo filme de Ang Lee baseado na HQ homônima que estréia hoje no Brasil, é o próprio Hulk. Nas mãos da computação gráfica, o gigante irado e indomável criado nos anos 60 por Stan Lee (nenhum parentesco com Ang) virou pouco mais que um Shrek, o adorável monstrengo de animação. Só que sem humor.
É um grande problema, já que o personagem não só batiza a obra como é sua razão de ser. Daí o calcanhar-de-aquiles de Ang Lee. O dedicado taiwanês cuidou de todos os detalhes que estavam sob sua alçada, da direção impecável de atores aos bem-planejados movimentos de câmara, que a todo o momento fazem lembrar o melhor dos quadrinhos.
Mas não pôde dirigir o bichão -isso ficou a cargo de Dennis Muren. E, se este californiano de 57 anos entende muito de efeitos visuais, como prova seu impressionante currículo (comandou esta área em "Guerra nas Estrelas" 1 e 2, "A.I.", "Parque dos Dinossauros", "O Exterminador do Futuro", "E.T.", entre outros), pouco sabe de atuação.
O pior é que Ang Lee é um dos diretores mais interessantes em atividade. Tem seu lugar marcado na história do cinema por ser o autor do filme estrangeiro mais visto nos EUA até hoje, "O Tigre e o Dragão", que, mesmo falado em mandarim, arrancou US$ 130 milhões das bilheterias locais.
Versátil, dirigiu ainda o importante "Tempestade de Gelo", um registro ácido, mas fiel da perda da inocência da classe média norte-americana nos anos 70 pós-Nixon, a adaptação "Razão e Sensibilidade", baseada no livro de Jane Austen, e o regional "Comer, Beber, Viver".
Ou seja, tinha talento suficiente para fazer de "Hulk" o que seu equivalente em quadrinhos conseguiu: ser uma atualização para jovens do arquetípico romance "O Estranho Caso de Dr. Jekyll e Mr. Hyde" (1886), de Robert Louis Stevenson, no qual um sujeito perde o controle e se transforma no monstro inominável que traz escondido dentro de si.
No caso de "Hulk", esse sujeito é o cientista Bruce Banner (Eric Bana, regular), submetido a experimentos genéticos pelo pai (Nick Nolte, ótimo) e que, depois de um acidente num laboratório com raios-gama, se transmuta sempre que contrariado.
Há um outro senão que empana o filme. Mesmo sob o risco de parecer o Leonel Brizola da crítica cinematográfica, é preciso voltar ao tema, não das "perdas internacionais", como faz o político gaúcho a cada discurso nos últimos 40 anos, mas do neoconservadorismo da Era Bush contaminando as artes, como venho fazendo há quatro críticas. Também este "Hulk" faz loa às Forças Armadas dos EUA e seus equipamentos e termina (não vou contar) da maneira mais arrogante possível para nós latino-americanos.


Hulk
The Hulk
 
Produção: EUA, 2003
Direção: Ang Lee
Com: Eric Bana, Jennifer Connelly, Nick Nolte
Quando: a partir de hoje, nos cines ABC Plaza Shopping, Gemini e circuito



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