São Paulo, sábado, 27 de junho de 1998

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LIVRO - LANÇAMENTOS
"Cores Primárias" mostra política como ela é

MARIANE MORISAWA
da Redação


"Diversas pessoas conhecidas -sobretudo jornalistas- fazem breves aparições nestas páginas, mas trata-se de uma obra de ficção e a ela se aplicam as ressalvas de praxe. Nenhuma das outras personagens é real. Nenhum dos fatos aqui narrados jamais aconteceu", diz a nota do autor do livro "Cores Primárias".
É, mas não é bem assim. O livro, relançado agora pela Companhia das Letras para aproveitar o filme "Segredos do Poder", que se baseia em "Cores Primárias", é claramente inspirado na campanha de Bill Clinton à Presidência dos Estados Unidos, em 1992.
Lançado em janeiro de 1996, sucesso imediato de vendas, o livro causou alvoroço. Primeiro, pelas inúmeras semelhanças que apresentava com fatos e pessoas. Depois, porque seu autor era desconhecido, Anônimo. As buscas acabaram revelando que ele era Joe Klein, da revista "Newsweek".
As comparações com a realidade são inevitáveis, mesmo para o brasileiro que não acompanhou de perto a campanha. O candidato, Jack Stanton, é um governador de um Estado do sul do país, mulherengo, mas carismático, casado com uma advogada competente e durona -Susan Stanton.
Há também semelhanças entre Richard Jemmons (no livro) e James Carville, Orlando Ozio e Mario Cuomo, Gennifer Flowers e Cashmere McLeod.
No filme, o diretor Mike Nichols deu cara e gestos aos personagens para tirar qualquer dúvida de quem as tinha. John Travolta e Emma Thompson "são" Bill e Hillary Clinton.
Travolta faz, de forma debochada e caricata, um Jack/Bill com os gestos -como o da foto ao lado-, a voz rouca e os olhos sempre prestes a derrubar uma lágrima característicos do presidente.
Thompson encarna com perfeição a durona Susan/Hillary, mais disposta a jogar sujo com os adversários, traída inúmeras vezes, mas sempre ali, ao lado do marido, numa relação de amor e ódio.
No livro, é muito mais difícil para o leitor não familiarizado com as personalidades retratadas identificá-las. Mas isso em nada tira o sabor das histórias.
Afinal, o romance tem amor e traição, ação, humor. O candidato tem que se tornar conhecido, superar preconceitos, lidar com denúncias -verdadeiras- de casos extraconjugais e de ajuda superior para se livrar da cadeia.
E, contada a história sob o ponto de vista do assessor negro do candidato, Henry Burton, que tem dúvidas sobre se venera ou odeia o casal, o leitor é conduzido por um universo de personagens humanos. Ou seja, não há bonzinhos e malvados, mas gente que erra. Mesmo que trate de políticos -que em geral têm pouca simpatia da sociedade-, o livro não se deixa levar por maniqueísmos.
Isso não quer dizer que absolva os maus políticos apenas porque são humanos. Mas separam bons e maus em outro nível. Há aqueles que querem fazer alguma coisa pela sociedade e outros que não.
E onde entra Bill Clinton na história? Bem, ele é da turma que tem casos extraconjugais, fumou, mas não tragou, escapou da Guerra do Vietnã, mas quer fazer algo pelo povo. Ou seja, em "Cores Primárias", ele é bom. Mas imperfeito.

Livro: Cores Primárias Autor: Anônimo Lançamento: Companhia das Letras Quanto: R$ 29,50 (429 págs.)


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