São Paulo, sábado, 27 de junho de 1998

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Objetividade tira força de "Meia-Noite'

CECÍLIA SAYAD
da Redação


"Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal" é o resultado da fascinação que Savannah (Geórgia, EUA) exerceu sobre o jornalista John Berendt, que lá viveu por vários anos.
Fascinação tal que ele achou que o formato reportagem não era suficiente para comportar tudo o que teria a dizer sobre o excêntrico local e seus habitantes. Decidiu, então, transformar seu relato num romance.
Para tanto, como escreve em nota no final da edição brasileira, usou "pseudônimos para resguardar a privacidade" de alguns personagens e tomou "certas liberdades narrativas".
O romance de Berendt só se concentra na trama principal -o assassinato do jovem Danny Hansford pelo antiquário Jim Williams e o julgamento deste último- em sua segunda parte.
Antes de entrar na trama desse crime que envolve "violência" e "homossexualismo", como se lê na orelha do livro, o romance se compõe de uma série de crônicas sobre os diversos personagens que habitam Savannah.
Uma drag queen que toma hormônios para perder a masculinidade, um homem que passeia a coleira de um cachorro que já morreu, um inventor detentor de um veneno que ameaça colocar no reservatório de água da cidade.
Mas o preferido de Berendt parece ser mesmo Jim Williams, um novo rico sobre o qual são contadas muitas lendas e que desperta admiração e inveja na cidade por sua propriedade, a Casa Mercer (que pertencera ao bisavô do compositor Johnny Mercer), e suas festas de Natal, principal evento social de Savannah.
Williams vê no narrador um confidente, contando a ele inclusive detalhes do crime que comete "em legítima defesa".
E é o antiquário o representante do que Savannah tem de mágico -seu isolamento, mantendo tradições incompreensíveis aos forasteiros, como o recurso a feitiçarias- e de decadente -o desmascaramento do personagem está, no romance, próximo da descrição das dificuldades financeiras que a cidade enfrenta.
Berendt constrói um mito com olhar crítico, mas o que seria condenável do ponto de vista moral -como macumba para prejudicar os inimigos- só serve para tornar ainda mais fascinante, a seu ver, essa cidade tão peculiar.
No entanto, apesar da curiosidade que Savannah exerce sobre Berendt, o escritor, talvez por ser jornalista e manter certo distanciamento com relação ao que relata, não parece se envolver com os acontecimentos a ponto de poder dar a seu romance a atmosfera que eles propiciariam.
A história de um crime que envolve, como foi citado acima, violência e paixão, é então narrada como uma mera sucessão de fatos -como se os julgamentos fossem acompanhados por meio de notícias publicadas num jornal.
Não que falte talento narrativo a Berendt -pelo contrário, ele consegue o mérito de descrever três julgamentos, sendo que eles diferem entre si apenas em pequenos detalhes, sem deixar que percam o interesse.
Mas o romance fica devendo no quesito magia, provavelmente por excesso de objetividade. O distanciamento do autor faz com que a estranheza dos personagens e os eventos ligados ao crime cheguem ao leitor sem a aura de mistério que sugerem.
A edição brasileira, com pérolas como "uma moto barulhentamente parada" e descuidos como "o homem a arrastou-a", só contribui para esse distanciamento, ao chamar a atenção e desviar o olhar de quem lê -como um ruído que interrompe a fluência da história.


Livro: Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal
Autor: John Berendt
Lançamento: Objetiva
Quanto: R$ 29,50 (412 págs.)



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