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Banks oferece literatura bela e amarga
CÁSSIO STARLING CARLOS
Editor-adjunto de Especiais
Com um empurrão do cinema, finalmente
o leitor brasileiro vai poder entrar na obra de
Russell Banks,
um dos mais
empolgantes escritores americanos contemporâneos. Adaptado
para o cinema pelo canadense
Atom Egoyan e exibido há poucos
meses no país, "O Doce Amanhã" é um veículo exato para o
leitor ser capturado pela beleza e a
amargura da literatura de Banks.
No romance, publicado originalmente em 91, Banks retrata
uma comunidade desolada no interior do Estado de Nova York, assolada pelas nevascas e pela tragédia. Um acidente com um ônibus
escolar, carinhosamente conduzido por uma senhora, mata 14
crianças e deixa a cidade atônita.
Atraídos pelo cheiro das mortes,
não demoram a chegar à cidade
advogados para oferecer aos pais
das vítimas preciosas indenizações. No confronto entre a perda e
a possibilidade de reparação material, Banks explora todos os contornos que prefere enxergar nas
sombras da natureza humana.
Seu romance é antes de tudo
moral. Trata-se de ironizar a América, com sua obsessão por reparar, origem de uma milionária indústria da indenização. O argumento acaba sendo: "Já que a ferida está aberta, por que não extrair
um pouco mais de sangue?"
Em contraponto a essa justiça
institucionalizada, que não se limita a distribuir a culpa, mas que
pretende capitalizá-la até onde for
possível, está uma outra, mais um
sentimento que uma instituição.
É a partir dela que Banks elabora
a narrativa e, por consequência, a
emoção que atravessa seu romance. Quatro vozes, quatro diferentes pontos de vista e experiências
do acidente compõem o romance,
na forma de capítulos.
São eles Dolores, a motorista
-protagonista do acidente-,
Billy, pai de duas crianças mortas
no desastre -testemunha ocular-, e Nichole, adolescente que
sobrevive, mas fica paralítica -e
cuja dor, acentuada pelo drama do
abuso sexual, compõe as páginas
mais melancólicas do romance.
Um último ponto de vista, externo, é do advogado, Stephens, cujo
objetivo é construir a versão "lucrativa" dos fatos. "Acidentes
não existem. Sequer conheço o
significado da palavra e nunca
confio em quem diz conhecer",
declara a certa altura.
Aos moradores depauperados
da cidade, porém, não parece má a
alternativa de inventar um culpado, desde que se possa fazer disso
uma valiosa fonte de renda. A
grande ironia da justiça convertida num modo de escapar da falência é um dos tópicos da virulência
moral de Banks no romance.
Menos irônica e mais trágica,
porém, é a visão que o autor dá do
abandono da infância. O próprio
advogado é uma vítima disso, com
sua filha drogada que pede sua
atenção pelo telefone.
O absurdo das mortes no ônibus
escolar, o "paradoxo radical",
"a negação das relações de causa e
efeito" que significa os pais verem
seus filhos morrer antes deles funciona como parábola desse avesso
da perda, o abandono, prefiguração da morte.
"O Doce Amanhã" é sobre essa
espécie de lei da existência, que
obriga todos -adultos e crianças- à solidão, a estar entregues à
própria sorte.
Livro: O Doce Amanhã
Autor: Russell Banks
Lançamento: Record
Quanto: R$ 19 (236 págs.)
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