São Paulo, sexta-feira, 27 de julho de 2001

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"BEM-VINDOS"

Caos familiar e rito de passagem permeiam obra de Moodysson

CRÍTICO DA FOLHA

Com panorâmicas ligeiras e zooms incisivos, o diretor sueco Lukas Moodysson cimenta, em segundos, o chão de seu segundo longa, "Bem-Vindos", em cima de situações colaterais. Ele assinala assim, sem delongas, a coexistência de dois mundos paralelos no interior da Suécia dos anos 70: o universo estéril e preconceituoso da classe média convencional e o "mundo de ponta-cabeça" de uma efervescente comunidade hippie.
Enquanto Göran (Gustav Hammarsten) comemora, em sua comunidade hippie, a morte do ditador espanhol Franco, sua irmã pequeno-burguesa, Elizabeth, leva uma surra do marido em casa. Göran busca então a irmã e os sobrinhos na casa do cunhado alcoólatra e é espionado pelos vizinhos caretas e maledicentes.
Essa colateralidade de situações logo se perde, mas não porque, entrando na casa de Göran e mergulhando no cotidiano da comunidade, passamos a nos restringir à visão de um desses mundos. A força do filme vem da postura conciliatória do autor. Moodysson, a exemplo do fraterno Göran, acredita no diálogo: ao contrário da comunidade de "Os Idiotas", de Lars von Trier, a de Moodysson não é excludente.
Ambientado nos anos 70, "Bem-Vindos" não tem o distanciamento de um filme de época. E sua atualidade não reside tanto na "revolução dos costumes" quanto na recuperação de um certo espírito de fraternidade combativa.
É em nome da luta e por generosidade de propósito que Moodysson se dirige justamente aos personagens mais irrecuperáveis, que imaginávamos obliterados.
Ele passa a se deter no marido alcoólatra de Elizabeth e no filho do vizinho, personagens que devem crescer (e amolecer) no "grande mingau" social da utopia comunitária de Göran.
Mas santo de casa não faz milagre, e Göran mal consegue dar conta da mulher ninfômana nem se faz entender pelos sobrinhos, cuja formação pequeno-burguesa bate de frente com o universo contracultural da comunidade.
Numa casa de "mutantes", habitada por mulheres decididas a se converterem ao lesbianismo, revolucionários obstinados incapazes de amar e seres orgásticos fora de controle, atos corriqueiros como a limpeza da louça geram debates acalorados. Cada um aprenderá, ao final, a lição que lhe é devida. Mas, como se trata de germinar uma nova percepção do mundo, a lição primeira cabe às crianças, que devem cumprir aqui (tal como em "Amigas de Colégio", primeiro longa de Moodysson) um rito de passagem.
(TIAGO MATA MACHADO)

Bem-Vindos
Tillsammans
   
Direção: Lukas Moodysson
Produção: Suécia, 2000
Com: Lisa Lindgren, Michael Nyqvist e Gustav Hammarsten
Quando: a partir de hoje nos cines Sala UOL, Pátio Higienópolis e Cinearte



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