São Paulo, sexta-feira, 27 de julho de 2001

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CRÍTICA

Longa não supera baixeza e comercialismo hollywoodianos

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

Entre a mercantilização da sexualidade e a sexualização da mercadoria, Hollywood consolidou sua hegemonia comercial. Do corpo-fetiche de Marlene Dietrich ao erotismo cosmético de Marilyn: é longa a esteira de produção da qual descende Jewel (Liv Tyler) de "Que Mulher É Essa?" A transformação do corpo feminino em objeto de desejo e consumo foi, desde sempre, operação (comercial) primeira do "star system" hollywoodiano, mas a história da domesticação das vamps é outra. É nela que entra Jewel, vamp que não almeja senão seus direitos de consumidora.
No início dos anos 30, enquanto satisfaziam os desejos voyeuristas do público masculino, as vamps incorporavam, em sua emancipação sexual e econômica, conquistas dos movimentos feministas dos anos 20. Faziam-se de objeto, mas para humilhar os homens, se afirmando como sujeito social.
Não era tanto a independência econômica quanto sexual dessas vamps que incomodava os moralistas americanos. Com a criação do código Hays de censura (1934), sexualidade feminina tornou-se sinônimo de perigo. Surgem as "femmes fatales" do cinema noir dos 40, jovens interesseiras de erotismo com "valor de troca".
Com esse "valor de troca", Jewel se faz de objeto para obter objetos: homens consomem seu corpo, e ela realiza o sonho de montar uma casa com aparelhos de última geração. Mais do que comédia rasteira sobre beleza fatal, o filme é a tragédia de um mundo que já não pode conceber o desejo senão enquanto desejo de consumo.
Fantasias sexuais dos homens são como sonhos de consumo, e o corpo de Jewell é como uma mercadoria enfileirada ao lado de outras tantas, em cenas que mal disfarçam seus merchandisings (de carros, cosmésticos, DVDs...).
Como na tradição, as aparições da vamp são exploradas aqui como instantes de voyeurismo que interrompem, necessariamente, a narrativa: o mundo fica em suspenso quando Jewell aparece pela primeira vez para os homens (um policial católico, um advogado pretensioso e um barman sem ambição). O diretor Harald Zwart, estreante, tem ao menos o mérito de escancarar, com grosseira inabilidade, os mais vis recursos dessa que é a vertente mais baixa (e pornográfica, a despeito mesmo da ausência de nudez) do comercialismo hollywoodiano.

Que Mulher É Essa?
One Night at McCool's
 
Direção: Harald Zwart
Produção: EUA, 2001
Com: Liv Tyler, Michael Douglas, Matt Dilon, John Goodman
Quando: a partir de hoje nos cines Anália Franco, Eldorado e circuito



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