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ELEIÇÃO NA ABL
Escritor diz que sentimento é marca em sua tarefa de levar a cultura brasileira para o resto do planeta
"Sou um solitário", afirma Paulo Coelho
IVAN FINOTTI
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
O escritor Paulo Coelho, 54, o
mais novo imortal da Academia
Brasileira de Letras, é um solitário. Apesar de 41 milhões de livros
vendidos no planeta, diz que levar
a cultura brasileira ao resto do
planeta é uma tarefa solitária e,
por isso, incômoda. "Eu espero,
com essa eleição para a Academia, diminuir essa sensação de
solidão", afirmou Coelho.
O escritor também se revelou
incomodado pela pressão exercida nos acadêmicos pelo ministro
das Relações Exteriores, Celso Lafer. "Ele pediu votos para Hélio
Jaguaribe, mas o tiro saiu pela culatra", disse. A Folha tentou ouvir
o ministro, mas ontem ele estava
em viagem e não foi encontrado.
Com 127 milhões leitores no
mundo (são 3,1 leitores por livro
vendido), Coelho recebeu a Folha
em seu apartamento em Copacabana na manhã de ontem.
Folha - Houve algo que o incomodou nessa eleição?
Paulo Coelho - Me incomodou a
interferência do ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer. Entrando numa seara que não é dele,
pressionou alguns acadêmicos
para votar no Hélio Jaguaribe.
Posso citar Carlos Heitor Cony,
Arnaldo Niskier e Marcos Almir
Madeira. O tiro saiu pela culatra.
Folha - Não conseguiu nenhum
voto?
Coelho - Não conseguiu. Não sei
se esses acadêmicos votaram em
mim, mas sei que eles ficaram
mais convencidos de seu voto.
Folha - A ABL diz que o senhor vai
ser o embaixador da Academia no
mundo. O senhor se sente confortável nesse papel?
Coelho - Minha carreira foi sempre muito solitária. Descobri uma
porta, fui publicado em 155 países, traduzido para 56 línguas...
Mas o fato de você estar sozinho é
algo que incomoda. Eu espero,
com essa eleição para a Academia, diminuir essa sensação de
solidão. Eu espero que possa
mostrar o trabalho do passado e
do presente do Brasil, que a Academia representa muito bem, nos
lugares onde estou, aos meus editores, nas feiras.
Folha - Como o sr. se sente solitário com 127 milhões de leitores?
Coelho - Não é isso. Solitário em
mostrar a cultura do Brasil. Não é
como quando aconteceu o
"boom" da literatura latino-americana. Eu abri, eu fui e nenhum
escritor aproveitou a porta.
Folha - Por que o senhor tem 127
milhões de leitores no mundo? Por
que o senhor e não outro?
Coelho - Tenho cinco ou seis respostas de algibeira para isso. E
quando estou sem paciência para
dar entrevistas, costumo dar a explicação A, B ou C. Mas a verdade
é que eu não sei.
Folha - Alguma idéia?
Coelho - O processo de criação é
um mistério. Tem muitos livros
na minha área. Mas de repente o
meu se destaca. Você vai olhar e
está na lista dos mais vendidos da
Alemanha há seis anos.
Folha - E que circunstâncias levaram o senhor a esse ponto?
Coelho - Eu sei o que me levou
até lá. É a única coisa que leva um
escritor a fazer sucesso: é o boca a
boca.
Folha - Fala-se em marketing.
Coelho - Marketing? Marketing
nenhum. Porque, no começo, a
crítica era muito, muito dura.
Paulada o tempo todo.
Folha - Até as 16h40 de ontem, o
senhor era um mortal. O que mudou nessas últimas horas?
Coelho - Não. Você está enganado. Até as 16h40 de ontem, eu já
era imortal. Porque eu semeei
muitos corações. Agora, quanto
tempo vai durar essa imortalidade, eu não sei. Seguramente uma
geração.
Folha - Uma geração de leitores?
Coelho - De leitores. Pode até durar duas, mas aí pode se tornar
aquele chamado "clássico". E o
"clássico" sempre é chato para
aquela geração.
Folha - Mas não é ruim escrever
um clássico, é?
Coelho - De maneira nenhuma,
mas aí eu não seria lido porque as
pessoas querem e sim porque são
obrigadas.
Folha - É verdade que o senhor
tem um cofre com as críticas que
recebeu?
Coelho - Com tudo. Com as críticas e os elogios. Eu mandei recentemente microfilmar tudo isso.
Porque eu acho que todo mundo
é responsável pelo que escreve.
Não é para uma vingança. É porque por vezes as pessoas tendem a
idealizar o sucesso, a dizer que é
um mar de rosas. Não é assim.
Folha - Os microfilmes estão num
cofre?
Coelho - Estão uma empresa, no
meu escritório. São três cópias.
Folha - Que organização.
Coelho - Sou virginiano. Guardo
também meus textos. São guardados para estudos, comparações,
entender o processo, mas não podem ser publicados. Coloquei essa cláusula no meu testamento.
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