São Paulo, sábado, 27 de julho de 2002

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COMENTÁRIO

Sociologia perde com descrédito atual

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

Estranhar a eleição de Paulo Coelho para a Academia Brasileira de Letras é levar excessivamente a sério a instituição.
Ivo Pitanguy é da Academia, ou da "Acadimia", como eles gostam de dizer, e o único significado literário disso é a ironia de haver um cirurgião plástico entre os imortais. Em compensação, outro acadêmico, o general Lyra Tavares, não foi um best-seller; nunca se rendeu, como escritor, às imposições do mercado, pela simples razão de que nunca foi um escritor.
Claro que um erro não justifica outro. A quantidade de escritores ruins na ABL não garante automaticamente uma vaga para ninguém.
O escândalo, antes, era quando um grande escritor confessava a vaidade de querer ser acadêmico. O progresso da caretice no país recupera a ABL, determina as altas tiragens das revistas de celebridades e transforma o antigo parceiro de Raul Seixas num sensato conselheiro dominical.
O feitiço sumiu com o feiticeiro. Achar Paulo Coelho bom ou mau escritor importa tanto quanto acreditar ou não na existência de duendes. Cada homem vale o que vende, e a revista "Caras" é a única prova da existência de quem quer que seja.
Só li "As Valquírias". Escrevi um artigo pichando. Depois, fiquei sem graça quando conheci o autor pessoalmente.
Sua simpatia desarma qualquer um. Mais que simpatia: ele transmite um afeto imediato, como se nossas opiniões, idéias e gostos literários não tivessem a menor importância.
Lamento a derrota de Hélio Jaguaribe. Ele é também de uma simpatia esfuziante, além de magnetizar o interlocutor pelo brilho da inteligência e pela capacidade espantosa de articulação verbal.
A sociologia e a ciência política, que tantas vezes cederam à tentação da profecia e do esoterismo, saem perdendo do episódio. Um descrédito bem previsível nos dias que correm. Maktub! Estava escrito.
Não vence o esoterismo, mas sim a política de celebridades e de popularização levada adiante pela Academia.
Entre uma eleição na ABL e o desfecho do "Big Brother", qual a diferença? O mundo de "O Clone" se cruza com o do marquês de Maricá. Faltam odaliscas, talvez, para animar a festa. Mas o chá das cinco já deve ser um poderoso alucinógeno.



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