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São Paulo, domingo, 27 de julho de 2003

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CRÍTICA

Cláudio Assis busca a poesia do sórdido

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

"Amarelo Manga" é um filme de uma vitalidade à flor da tela. Sua característica mais marcante é a sensualidade -no sentido mais amplo da palavra, que implica a abertura dos sentidos para tudo o que é vivo.
Nos ambientes sórdidos do filme -um hotel caindo aos pedaços, um bar mal frequentado, um açougue, ruas de periferia-, o drama e a comédia humana fervilham sob formas variadas, assim como no lodo do mangue prolifera uma infinidade de seres vivos.
A narrativa de "Amarelo Manga" entrelaça inúmeros personagens, todos marginalizados de uma maneira ou de outra, e concede a cada um deles o tempo e a atenção necessários para que se revelem em sua humanidade.
A cada momento uma história ganha o primeiro plano. Há, por exemplo, o açougueiro (Chico Diaz) colhido em flagrante adultério pela mulher religiosa (Dira Paes) que concebe uma vingança sangrenta. Ou a soliltária dona de botequim (Leona Cavalli) assediada por um homem estranho, provável traficante (Jonas Bloch), que cruza a cidade num velho Mercedes amarelo.
Se o vigor é o que mais chama a atenção em "Amarelo Manga", isso se sustenta graças a um equilíbrio entre contrários. Em primeiro lugar, entre ficção e documentário: os bairros de Recife por onde transitam os personagens não são mero pano de fundo para a ação. Seus ambientes e tipos sociais tomam conta da tela. É quase possível sentir o cheiro de cada esquina. Há um equilíbrio tenso entre o estático (o Texas Hotel, o bar da Lygia) e o móvel (as ruas por onde roda a Mercedes ou perambula a mulher traída).
O mais sutil desses jogos de opostos, e o mais profundo e vital, talvez seja o das cores. As predominantes são o vermelho sangue e o amarelo manga. O sangue dos bois abatidos "chama" o sangue da vingança de Kika. O amarelo do púbis de Lígia conduz o Mercedes amarelo do perseguidor.
"Amarelo Manga" é também uma história de transfiguração dos papéis do macho e da fêmea -um dos personagens centrais do filme é um travesti (Matheus Nachtergaele). No calor da ação, as mulheres viram machos, os homens se emasculam.
Depurados e inseridos numa narrativa mais complexa, os excessos escatológicos que prejudicavam o curta-metragem "Texas Hotel" -uma espécie de rascunho de "Amarelo Manga"- ganham sentido no longa.
Alguns dos achados estilísticos do curta, como a câmera que esquadrinha (e acentua) a solidão dos personagens, enxergando-os a partir do teto, estão presentes de novo. Não há como separar o poético do sórdido. Ao entrar para ver "Amarelo Manga", compra-se o pacote todo. É pegar ou largar.


Amarelo Manga    
Produção: Brasil, 2002
Direção: Cláudio Assis
Com: Matheus Nachtergaele, Jonas Bloch, Dira Paes, Leona Cavalli
Quando: estréia em 15 de agosto



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