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São Paulo, domingo, 27 de julho de 2003

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MÔNICA BERGAMO

Casamentos de famílias ricas de São Paulo viraram um grande negócio

Pompa e circunstância

Ana Ottoni/Folha Imagem
Um camarim foi montado na casa de Rachel, no Morumbi, para que ela chegasse impecável à cerimônia, nos Jardins


Um vestido bordado com 60 mil micropérolas Swarovski sobre musselina; no decote, pérolas naturais sobre a camiseta de tule invisível (tudo assinado por Versolato). E uma delicada tiara de diamantes. Para a mãe, Sandra Habib, um vestido rendado todo rebordado com paetês, sapatos Manolo Blanik e brincos de esmeraldas cravejados de brilhantes. Para o padrasto, Sérgio Habib, presidente da Citroën, terno Ermenegildo Zegna feito sob medida na Itália. Um Jaguar para levar a noiva até a paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, nos Jardins- e pronto. Rachel Habib e Fábio Pinto já podem se casar e ser felizes para sempre.
 
Pronto? Não é bem assim. O casamento de Rachel e Fábio mobilizou, só no dia da cerimônia, a sexta-feira, 18, mais de 250 pessoas (quase o mesmo número de convidados, 300). Dez funcionários ajudaram a noiva a se arrumar em casa; 50 cantores e 30 músicos do coral Baccarelli, além do cantor Edson Cordeiro, se apresentaram, ao vivo, na igreja; 16 pessoas da empresa de Brasília Arruda Botelho cuidaram do cerimonial; dez garçons serviram champanhe e docinhos na igreja, além de uísque e damascos aos padrinhos na sacristia; 40 funcionários de Vic Meirelles arrumaram as flores, na igreja e no clube São Paulo, local da festa (foram mais de 500 pacotes de miniorquídeas amarelas e flores brancas e azuis); para a festa, além de manobristas e seguranças, foram mobilizados 80 cozinheiros e garçons do bufê de Toninho Mariutti. A igreja foi pintada, por obra e graça da família da noiva.
 
Há alguns anos as famílias mais ricas e tradicionais de São Paulo vêm transformando as cerimônias de casamento em verdadeiros eventos, comparáveis a estréias de grandes espetáculos. Há dois anos foi criada até uma feira, a Casar, que reúne os principais fornecedores dessas festas milionárias. Lianinha Moraes, da família Ermírio de Moraes, montou uma empresa para ajudar noivas, do chá-de-cozinha à reserva da suíte para a lua-de-mel, passando pela arrumação das malas.
 
O setor não tem sofrido com as crises econômicas. "Nos três últimos anos, o negócio cresceu demais", diz Vera Simão, organizadora da feira. Ela calcula que existam hoje 200 empresas voltadas para casamentos -32 só de decoração, outras tantas de serviços de comida, cerimonial, segurança, doces, bebidas, vestidos, fotos, vídeos, som, iluminação, lembrancinhas. Um negócio embalado, diz Vera, pela fantasia de 80% das mocinhas que sonham com o casamento dourado, segundo o IBGE.
 
Vera é uma das papisas do cerimonial -o último casamento que organizou foi o de Tatiana Piva de Albuquerque. Também oferecem esse serviço Brasília Arruda Botelho (já trabalhou para as famílias Camargo, Feffer e Yunes), Ana Carvalho Pinto (família Szajman) e Marina Bandeira (família Mellão), por exemplo. Falar de preços é um tabu no setor, mas estima-se que o cerimonial de uma festa para 400 pessoas não saia por menos de R$ 20 mil. Elas podem cuidar de um casamento como se fossem a própria mãe da noiva. "Por maior que seja o nível das mães, elas hoje sempre se dedicam a alguma coisa, como obras de caridade, e não têm tempo exclusivo para a festa", diz Vera. O cerimonial cuida do "mailing" de convidados ao cronômetro da festa -hora em que a comida é servida, em que a música começa a tocar, em que a música pára de tocar e em que o bolo é cortado. Vera deixa até uma "babá" perto das noivas, que as socorre nos imprevistos. Há quem resista. "Fiz questão de escolher até a fitinha dos bem-casados. A festa tem que ter a cara da noiva", diz Regininha Moraes, filha de Antônio Ermírio de Moraes, que casou no ano passado.
 
Uma cerimônia com esse tipo de sofisticação pode custar de R$ 500 mil a R$ 5 milhões -o custo estimado do casamento de Michele Kamkhagi com Jacob Safra, filho do banqueiro Joseph Safra, em 2001. Tudo depende dos serviços contratados. Os Safra trouxeram de Paris Alain Raynaud, que fez os palácios de Valentino na Europa, para erguer o cenário da festa.
 
Os casamentos da família Camargo, da Camargo Corrêa, estão entre os poucos que rivalizam com os dos Safra. Gabriela Camargo Nascimento, por exemplo, casou com um exclusivíssimo Oscar de La Renta, estimado em US$ 80 mil -o vestido foi feito em NY e os bordados, em Paris. No Brasil, os estilistas prediletos são Demi Queiroz (Safra), Lino Villaventura (Vania Boghossian, mulher de José Roberto Marinho), Vera Arruda (Flávia Marinho), Junior (Regininha Ermírio de Moraes), Ocimar Versolato (Raquel Silveira, Veronica Serra) e Guilherme Guimarães. Preço? "É uma agressão falar disso", diz Demi Queiroz. Lino Villaventura conta: um modelo pode chegar a R$ 45 mil. Aparecida Aquino Leme é uma das poucas, na cidade, que só faz buquês. Eles custam de R$ 600 a R$ 1.000, mas ela já fez um de R$ 4.000, com flores importadas especialmente da França.
 
O custo de um casamento depende também da qualidade de comidas e bebidas. Sandra Habib, por exemplo, caprichou: na festa de Rachel foram servidas 180 garrafas de Veuve Clicquot, 60 garrafas de vinho Bordeaux Cordier, 36 de Black Label e comida à vontade: só de minicuscuz foram servidos mais de 500.
 
Toninho Mariutti cuidou de tudo, e como ele são requisitadíssimos, por exemplo, Charlô Whately (Nizan Guanaes, Dinho Diniz), Mazzô França Pinto (Tatiana Piva de Albuquerque), Nina Horta, bufê La Luna e França. Eles cobram, em média, pelo cardápio básico, R$ 150 por convidado. Para 400 pessoas, o serviço sai por R$ 60 mil. As doceiras famosas cobram R$ 1,70 por unidade de doces simples. Um bolo pode sair por R$ 9 mil- ou mais.
 
Os cenários são um capítulo à parte: José Antonio de Castro Bernardes, um dos decoradores mais badalados de São Paulo, já chegou a comprar 200 periquitos para uma recepção cujo "enredo" era "Brasil Colonial". Um macaco recebia os convidados. Como Vic Meirelles, Bernardes briga com os padres. "Eles detestam que a gente mexa nas cadeiras da igreja", diz Vic. Vera Monti e Felipe Crescenti estão entre os que erguem estruturas gigantescas, criando do nada cenários modernos e, em alguns casos, lugares mais deslumbrantes que palácios europeus. Só as flores podem custar R$ 150 mil. "Às vezes sinto necessidade de água, sabe? E invento de construir piscinas no cenário", diz Bernardes.


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