São Paulo, quarta-feira, 27 de julho de 2005

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ERUDITO

Formada por jovens músicos israelenses e palestinos, West-Eastern Divan se apresenta em agosto na sala São Paulo

Barenboim traz "orquestra do diálogo" a SP

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Daniel Barenboim, 62, está de volta a São Paulo. Não trará desta vez a Sinfônica de Chicago, que regeu em outubro de 2000. Mas estará no comando de uma orquestra sinfônica com um lastro altamente mais simbólico.
Trata-se da West-Eastern Divan, com músicos de 13 a 26 anos que são israelenses, palestinos ou de outros países árabes. Há ainda um grupo de espanhóis da Andaluzia, onde muçulmanos e judeus conviveram até o século 15.
A orquestra foi criada em 1999, conjuntamente por Barenboim -nascido na Argentina, mas cidadão israelense- e o orientalista palestino Edward Said (1935-2003). Ambos também criaram uma fundação para o ensino musical no território sob controle da Autoridade Nacional Palestina.
A palavra "divan" que aparece no nome da orquestra significa ponto de encontro e, por extensão, também diálogo. É a idéia central que levou à criação do conjunto sinfônico para jovens.
Ela interpretará, em sua única apresentação, no próximo dia 6, na sala São Paulo, a "Sinfonia Concertante", para oboé, fagote e trompa, K. 297b, de Mozart, e a "Sinfonia nš 1", de Gustav Mahler.
Barenboim, que é também diretor da Staatsoper, de Berlim e que está deixando a direção da Chicago, uma das "big five" entre as sinfônicas americanas, é ainda um antológico pianista, com gravações consideradas de referência em Beethoven e Mozart.
Eis sua entrevista à Folha.

 

Folha - Quantos músicos o sr. traz? Qual a nacionalidade deles?
Daniel Barenboim -
Serão 96. Entre eles, há 40 israelenses, 40 árabes e 20 espanhóis da Andaluzia.

Folha - Os israelenses predominam em algum naipe?
Barenboim -
A repartição é bastante eqüitativa. Nas cordas, metade é de árabes, e a outra, de israelenses. Nos trompetes, são dois israelenses e um egípcio, clarinetas e oboés são sírios e egípcios, há um equilíbrio. Além dos palestinos, há músicos também da Síria, do Egito e do Líbano.

Folha - O governo da Síria não levantou obstáculos para que seus músicos participassem da orquestra ao lado de israelenses?
Barenboim -
O governo sírio foi informado. Não fez objeção.

Folha - O sr. tem declarado que não se resolveriam os problemas do Oriente Médio por meio da música. Qual é então a lógica?
Barenboim -
Para mim, a música é um instrumento de integração. Integram-se, por exemplo, a harmonia, o ritmo e a melodia, a dinâmica, o fraseado. Os músicos que trabalham juntos têm o sentimento de integração na diversidade. Por analogia, haverá uma inspiração para que se integrem em outros planos.

Folha - Neste ano, o sr. fez uma conferência em Nova York intitulada "Wagner, Israelenses e Palestinos". Qual a lição a ser dada?
Barenboim -
É uma questão muito complexa. O território da Palestina foi ocupado durante séculos pelos otomanos. Os ingleses tornaram-se potência protetora depois da Primeira Guerra Mundial. Quando os ingleses se foram, os judeus ali instalados proclamaram o Estado de Israel. Os palestinos permaneceram sob controle da Jordânia. Os judeus ganharam uma nova identidade, tornaram-se israelenses. Mas os palestinos não tiveram sorte idêntica. A criação de um Estado Palestino daria a eles essa identidade. Mas entre os israelenses persistem certos tabus. Um deles diz respeito à música de Richard Wagner.

Folha - Por favor, explique melhor essa relação.
Barenboim -
Apesar de Israel ser um país democrático, o tabu que envolve o nome de Wagner faz parte da história dos judeus anterior à criação do Estado de Israel. É como se existisse um neurônio entre os israelenses que ao mesmo tempo resiste à música de Wagner e à solução do problema palestino. São tabus parecidos.

Folha - E o sr. é um entusiasta da música de Wagner. Já regeu o ciclo do "Ring" em Bayreuth, não é?
Barenboim -
Wagner foi um anti-semita virulento. Mas não é essa a razão pela qual muitos israelenses não gostam dele. É porque durante o nazismo ocorreu uma instrumentalização da música dele com finalidades ideológicas. Mas Wagner não é pessoalmente responsável. Ele morreu 50 anos antes que Hitler chegasse ao poder. Se para determinado israelense sua música evoca um período historicamente trágico, essa pessoa deve ser respeitada. Mas, numa sociedade democrática, como a israelense, o tabu não deve ser imposto aos demais cidadãos.

Folha - Falemos da Fundação Barenboim-Said e do ensino da música entre crianças palestinas. Como elas recebem o repertório de música erudita ocidental?
Barenboim -
As coisas se passam de modo extraordinário. Há uma enorme quantidade de crianças e adolescentes com muitíssimo talento. Temos programas didáticos que correm paralelamente. O talento não depende da nacionalidade da criança.


West-Eastern Divan Orchestra
Quando:
sáb., dia 6/8, às 21h
Onde: sala São Paulo (pça. Júlio Prestes s/nš, centro, tel. 0/xx/11/ 3337-5414)
Quanto: R$ 150 a R$ 300 (R$ 10 para estudantes até 30 anos)


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