São Paulo, domingo, 27 de julho de 2008

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"Clássico underground", festa da Lôca faz 10 anos

Noite dominical de rock e com público em sua maioria gay, Grind é tema de livro

"Tragam os Cavalos Dançantes" traz relatos de freqüentadores de casa que já teve até gente pegando fogo -literalmente


SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL

Cremou a mãe e foi à Lôca. O DJ André Pomba tocou na boate da Bela Vista num dos aniversários do Grind, a festa mais tradicional da vida noturna paulistana, no dia em que sua mãe teve o corpo cremado. "Foi o que me deu uma reerguida", lembra Pomba, que há dez anos resolveu abrir a Lôca aos domingos e tocar rock para um público em sua maioria gay.
Desse misto de euforia e melancolia nasceu a festa que rendeu à boate sua fama de templo do underground, onde as tribos puderam se misturar: gays, heterossexuais, roqueiros, punks e moderninhos.
O aniversário de dez anos do Grind levou ao lançamento de "Tragam os Cavalos Dançantes", livro de Lufe Steffen, à venda em www.tragamoscavalosdancantes.com.br, que imita a estrutura do clássico sobre a cultura punk "Mate-me, Por Favor", de Legs McNeil e Gillian McCain.
Sem fatos concretos para dar uma idéia do que foi e do que é, de fato, o Grind, o livro traz depoimentos lançados a esmo, mas que valem, pelo menos, por seu apelo nostálgico.
Depois de uma viagem a San Francisco no fim dos anos 90, o DJ Pomba, segundo lembra, teve a idéia de tocar hits dos anos 80 e rock pesado na Lôca, que era então o "patinho feio do meio GLS". "Era o auge da música eletrônica, do culto ao DJ", lembra. "O Grind ajudou um pouco a trazer o espírito dos anos 80 para a frente de novo."
Com a decoração que lembra uma gruta para rituais sadomasoquistas -assinada pelo mesmo cenógrafo do infantil "Castelo Rá-Tim-Bum"-, a Lôca recebeu, com o Grind, hordas de adolescentes góticos que "debutaram" na noite na pista grudenta do clube-caverna.
"Eu já vi gente enlouquecendo e tirando a roupa, ficando só de sapato na pista", conta Nenê, DJ residente e um dos fundadores da Lôca. "É a balada com a libido mais aflorada."
"As pessoas gostavam de se beijar em grupo, essa coisa meio adolescente", opina Lufe Steffen.
Esse clima chegou a pegar fogo -literalmente. Numa das lendárias performances do Grind, um ritual de pirofagia acabou ateando fogo ao menino que trabalhava na chapelaria. "Eu vi que deu alguma coisa errado quando ele se queimou e saiu correndo em chamas pela boate", lembra Nenê. "Depois, jogaram uma cortina nele, e ficou tudo bem", garante.

Casa da vovó
Hoje, longe do fulgor dionisíaco, a Lôca virou "a casa da vovó, onde tem que pedir permissão para abrir a geladeira", nas palavras de um de seus três donos, Julius Baldermann.
A candidata a prefeita Marta Suplicy chegou a fazer um comício em plena boate em sua campanha de 2000. Também já freqüentaram o clube celebridades como Ana Paula Arósio, Marina Lima, Eliana -sim, a dos dedinhos-, Marisa Orth e até a atriz Tônia Carrero.
Entre as baladas, a Lôca passou à condição de clássico, ou "underground palatável", como define Pomba. "As pessoas aprendem a conviver com as diferenças, a Lôca é um verdadeiro tratado antropológico."
Não à toa, Renato Sztutman, antropólogo da USP, chama o entorno da boate na Frei Caneca de Baixo Lôca. "Os lugares em São Paulo têm vida curta, mas não a Lôca", afirma. "É um lugar que agrega pessoas."
Mas essa mistura nem sempre foi tão feliz. Há relatos de freqüentadores que tiveram bolsas e carteiras roubadas. A casa reforçou a segurança, mas esbarrou em outro problema: situações em que os vigias também se excedem e brigas se misturam à festa.
"Isso é normal em qualquer lugar onde há aglomeração de gente", diz Baldermann. "A possibilidade de conviver com todo tipo de gente às vezes gera problemas", releva.


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