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Para curador, mostra será "coruscante"
ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL
O paulistano Olney Krüse sempre se sentiu "como um sundae
de chocolate no asfalto do meio-dia". "Sou derretidíssimo." Chora
à toa, tem "controle emocional
zero" e adora superlativos. Tudo
lhe parece "íssimo" ou "érrimo"
-o lugar é iluminadíssimo, o fulano é bacanérrimo, o acontecimento é tristíssimo. "Trago uma
drag queen dentro de mim", define, saboreando a rima bilíngue.
Na quarta-feira, às 19h, quando
o Masp Centro abrir a mostra
"Viva o Kitsch", os excessos de
Krüse irão experimentar uma espécie de sagração. Cabelos e barba
"prateados à Ray Coniff", o jornalista de 62 anos -curador da exposição em parceria com Eunice
Moraes- espera uma noite cintilante, esfuziante, translumbrante.
"Coruscante", resume.
Krüse conhece cada uma das
cerca de 2.000 peças que o museu
exibirá. Foi ele próprio quem as
acumulou durante quase quatro
décadas. Voraz, não podia ver
uma bailarina de louça, um gato
de porcelana ou uma almofada de
oncinha que arrumava jeito de levá-los para casa.
De início, não se preocupava
com teorizações. Apenas recolhia
as bugigangas -objetos de uso
cotidiano ou decorativo que, em
determinados círculos sociais,
carregam a pecha de cafonas.
Movia-o "um fascínio irresistível por qualquer coisa que brilhasse". Só depois descobriu a palavra "kitsch". Descobriu-a sem,
no entanto, entender o que significava. "Certa vez, não me recordo
onde, avistei aquelas letrinhas
maravilhosas: ki-tsch. Pensei:
"Que nome lindo! Parece marca
de perfume"."
O tempo passou, e Krüse acabou compreendendo que o conceito atribuía valor artístico à inigualável coleção de badulaques
que estava reunindo. Tornou-se
crítico de arte e o maior especialista brasileiro em kitsch.
Agora, doou tudo para o Masp.
"Ainda não assimilei a perda.
Quando cair em mim, vou encher
um copo de champanhe, botar
um disco de tango no aparelho de
som e chorar muito."
De formação rigidamente católica, Krüse conta que, por volta
dos 13 anos, fez "um pacto com
Deus". Vivia em um ambiente familiar opressor -pai "alcoólatra,
agressivo, devasso e tosco"; mãe
"refinada, puritana e autoritária".
"Pedi, então, que os céus me dessem a graça de, um dia, realizar algo retumbante, que surpreendesse as pessoas ditas normais e que
me afastasse daquela origem árida." Hoje sabe que encontrou no
kitsch o refúgio tão procurado. "É
a minha bengala."
Em 1965, adquiriu a primeira
peça da coleção: um display da
Gessy Lever com a foto de Ieda
Maria Vargas, a gaúcha que ganhara o título de miss Universo
dois anos antes. Risonha, de coroa na cabeça, ela segurava uma
embalagem de creme dental.
Os milhares de objetos que se
seguiram, Krüse garimpou dentro e fora do Brasil -Nova York,
Hollywood, Tóquio, Paris, Leste
Europeu. "O kitsch não tem limites geográficos nem de classe.
Ninguém lhe escapa."
Até doar o acervo, guardava-o
em Atibaia (SP), num hotel desativado, de 33 aposentos, que divide com o artista plástico Waldenir
Reggiani. "Moramos apenas os
dois ali, como se habitássemos
um filme antigo de Walt Disney
-"Cinderela", "Branca de Neve",
"Bambi", por que não?"
Há poucos dias, passando diante de uma vitrine no bairro oriental da Liberdade, Krüse detectou
"um magnífico" bife de plástico,
grelhado, com borda gordurosa.
"Urrei de felicidade." Comprou-o
por R$ 58 e pretende incluí-lo na
exposição. Enquanto não inaugura a mostra, porém, deixa-o perto
da cama. "Amo espiá-lo quando
acordo. É kitschérrimo."
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