São Paulo, terça-feira, 27 de agosto de 2002

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CRÍTICA

Filme une popular e cult

COLUNISTA DA FOLHA

"Samba Canção" é um desses raros filmes que surgem de quando em quando para superar as falsas dicotomias diversão/reflexão, sofisticado/popular, tradição/vanguarda.
Há nele, por um lado, uma discussão dos problemas centrais que cercam o cinema brasileiro e o tornam quase um emblema das dificuldades do país: falta de recursos, mercado interno incipiente, dependência tecnológica e cultural, ausência de projeto duradouro, corrupção generalizada.
Rafael Conde colecionou e colocou na tela situações absurdas por que passam os realizadores em busca de verbas para filmar.
Em paralelo a essa cômica via-crúcis, o filme desenvolve outra trama: a tentativa da produtora Edna Marla de criar, num laboratório doméstico, uma película 100% nacional, que nos livraria da dependência externa e seria capaz de captar nossas cores tropicais com "uma temperatura para Almodóvar nenhum botar defeito".
Se a tragicomédia da busca de recursos desemboca no crime revolucionário ("expropriação" de bancos), a busca utópica da emancipação tecnológica termina num "trash" antropofágico, com direito a ossos humanos num caldeirão de laboratório e um monstro feito de celulóide.
A par de tudo isso, o filme é pontuado de referências a batalhadores do cinema brasileiro, de Humberto Mauro a Mojica, Sganzerla e Andrea Tonacci.
Por último, a despeito de seu alcance universal, trata-se de um filme radicalmente belo-horizontino. A cidade respira e pulsa na tela como não acontecia desde "Bang Bang" (70), de Tonacci.
É, em suma, um formidável safanão no cinema bonitinho e aburguesado que se faz hoje no Brasil. (JOSÉ GERALDO COUTO)


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