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FERNANDO GABEIRA
Introdução ao crime por encomenda
Um casal de sindicalistas roda
com seu carro pelas ruas do Rio. A
moto com duas pessoas se aproxima e o carona dispara os tiros certeiros. A moto escapa entre os carros e o casal agoniza para morrer
alguns minutos depois.
O casal, Marcos e Edma, morreu porque denunciava irregularidades no Conselho Nacional de
Enfermagem. O mesmo tipo de
crime, no entanto, tem se repetido
no Rio e em outras grandes cidades: a moto se aproxima, o carona
faz os disparos e, graças a um poder de arranque maior e à própria
flexibilidade do veículo, os assassinos desaparecem com rapidez.
Lembro que uma série de crimes
em Medellín também começou
assim. Era paga pelo cartel de Pablo Escobar e mobilizava adolescentes dos bairros pobres da cidade. Tornaram-se célebres, com o
nome de sicários. Bastava pronunciar este nome para sentir um
arrepio de medo.
Crimes sob encomenda são difíceis de evitar. Mas eles têm uma
presença forte na história contemporânea do Brasil. Recentemente,
um matador profissional, Chapéu
de Couro, chegou a depor no Congresso, onde aliás, em outras épocas, foi feita a única tentativa articulada de entender esse tipo de
crime: a CPI da pistolagem.
Com a prisão do deputado Hildebrando Pascoal, o tema voltou
à tona. Tanto no caso dele como
no caso do Conselho Nacional de
Enfermagem, as coisas vêm à tona com muito atraso e são necessários muitos crimes para que as
pessoas se dêem conta de que não
se trata de algo isolado.
No Rio, os dois sindicalistas que
denunciavam o Conselho Nacional de Enfermagem acompanharam pessoalmente as investigações sobre dois crimes anteriores,
cometidos para se evitar denúncia
contra o pequeno grupo que domina a entidade. Dois motoristas
morreram também assassinados
por matadores profissionais que
sabiam como seguir e atirar numa vítima.
O governo deveria, pelo menos,
criar um grupo de trabalho que
examinasse todos os crimes por
encomenda e tentasse extrair algumas consequências práticas de
seu estudo. Se os mandantes sempre repetem a dose contra seus
inimigos é sinal de que se sentiram seguros. Este é um ângulo da
questão. O outro ângulo: se sempre repetem a dose, por que não se
preparar para desmascará-los?
O número de crimes tem aumentado, mas os esforços para estudá-los são ainda bem precários
no Brasil. Na Colômbia, os sicários eram um grupo social bem
definido, viviam em lugares determinados e trabalhavam para
um cartel com objetivos também
conhecidos. Era bem mais fácil estudá-los.
No Brasil, grande parte dos crimes é de natureza política. Os
praticados dentro da lógica do
tráfico de drogas (bando ou luta
por pontos) são bastante definidos e quase sempre aparecem
também na forma de chacinas
nas favelas e periferias.
Em ambos os casos, a grande dificuldade da investigação é o medo das testemunhas. Um medo
bastante razoável, porque quem
vê um crime dessa natureza compreende instantaneamente como
uma pessoa comum é vulnerável
a ele. E, sem garantias, desiste de
depor.
Não há necessidade de o clima
de violência no Brasil atingir os
patamares colombianos, onde a
presença de guerrilha e grupos paramilitares agrava o quadro. No
entanto é preciso cada vez mais
que os estudos oficiais e acadêmicos se articulem.
Um conhecimento mais profundo do problema não vai resolvê-lo. Mas se tivéssemos, por exemplo, em algum ponto do Brasil,
um setor que acendesse o sinal
vermelho, parte dos crimes atribuída a Hildebrando Pascoal teria sido evitada, o mesmo valendo
para essa onda de assassinatos
que envolve o Conselho Nacional
de Enfermagem.
As condições para evitar um crime desse tipo são precárias e devem permanecer assim, considerando o ritmo das coisas no Brasil. Evitar que certos grupos cometam crimes em série é perfeitamente possível, desde que a gente
aprenda a lição. Diante da rapidez do detonar de um revólver e
do arranque de uma moto, nossa
lentidão é mais do que paquidérmica. É trágica.
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