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MÚSICA
O guitarrista norte-americano fala de política, música, cinema e da convivência com os cubanos
Cooder resgata a sonoridade cubana
EDSON FRANCO
Editor interino de Suplementos
Exceção feita a músicos e cinéfilos, poucos conheciam o guitarrista norte-americano Ry Cooder,
52. O grupo cresceu com a adesão
dos amantes da música cubana,
que reconhecem em Cooder o
principal responsável pelo atual
resgate da sonoridade da ilha.
Tudo graças ao CD "Buena Vista Social Club", lançado neste ano
no Brasil -com dois anos de
atraso em relação aos EUA. Nele,
o guitarrista convida um time de
músicos da velha guarda cubana
para um exercício de perpetuação
de estilos caribenhos.
Antes disso, o norte-americano
tinha como passaportes para a
eternidade a experiência de ter tocado com Rolling Stones, Monkees, Van Morrison e John Lee
Hooker e o fato de ser autor das
trilhas sonoras de "Paris, Texas" e
"A Encruzilhada", entre outras.
Convertido em uma espécie de
David Byrne que deu certo, Cooder contou por telefone um pouco sobre política, cinema e os bastidores da sua convivência com os
músicos cubanos. Leia a seguir
trechos da entrevista.
LINGUAGEM - "Sei pouca coisa
de espanhol. Precisamos da ajuda
de uma intérprete, mas músicos
nem sempre se comunicam apenas por meio das palavras.
"Alguns desses cubanos lêem
partituras, outros não. É o caso de
Compay Segundo, que vem de
outra tradição musical. Os músicos mais antigos não dependem
da escrita musical."
INTEGRAÇÃO - "No projeto,
meu papel era colocar alguma
coisa que pudesse completar e
melhorar o som. Assim eu faço
com todos os músicos estrangeiros com quem toco, sejam eles
africanos ou havaianos.
"Eu já conhecia aquele tipo de
música por meio de discos que
adquiri nos anos 70. Mas acho
que a integração aconteceu por
causa de eu estar "sentindo" a música. E, na verdade, foram eles que
fizeram tudo. Tocaram a música
de seu país, e eu acompanhei."
APRENDIZADO - "Estou sempre tentando aprender algo e
acho que estou tocando muito
melhor do que há três anos. Com
os cubanos, aprendi um pouco
mais sobre o amor pelas notas e
pelos instrumentos musicais.
Além disso, passei um período
muito divertido com eles.
"Eu não diria que isso vai mudar o jeito que toco guitarra, mas
sim adicionar ingredientes àquilo
que eu já sei. Tocar com esses caras foi uma oportunidade de ouro
para melhorar o meu conhecimento a respeito de música."
FIDEL - "Durante as gravações,
os cubanos não disseram nenhuma palavra sobre política. Talvez
isso se deva ao fato de eles serem
velhos e não verem o mundo de
maneira politizada. Acredito que
os cubanos mais jovens pensam
um pouco mais a esse respeito.
"Acho que a revolução liderada
por Fidel Castro foi benéfica ao libertar a população cubana dos
abusos do passado. Antes havia
muitas pessoas que tomavam
conta da população graças ao poder do dinheiro.
"Estou falando de gângsteres,
jogadores e gente desse tipo. O
maior problema dos cubanos hoje é a pobreza. Há muitas coisas
básicas que eles não têm. O que
vai acontecer daqui pra frente é a
grande questão nacional.
"Não tive nenhum problema
em entrar ou sair do país. Fiquei
com a impressão de que as autoridades cubanas não estão nem aí
para o que nós, norte-americanos, fazemos em seu país."
FUTURO - "Eu nunca faço planos. Os discos que fiz com o indiano V.M. Bhatt ("Meeting by
the River", de 1993) e com o africano Ali Farka Toure ("Talking
Timbuktu, de 94) decorreram de
telefonemas que recebi.
"Com os cubanos, também
aconteceu assim. Se alguém liga e
pergunta se eu gostaria de tocar
com um músico que admiro, por
que eu responderia não?
"Há muitas coisas sobre música
que ainda desconheço ou não entendo. Por isso, não perco uma
chance de aprender mais. Isso faz
a vida ser mais interessante."
MÚSICA BRASILEIRA - "Não
sei muito. Conheço brasileiros
que tocam em Los Angeles. Procuro estar perto deles para ouvir.
Gosto também do tipo de samba
que Gilberto Gil faz.
"Sei que aí há muitos estilos
musicais brasileiros que eu ainda
não conheço. Quase tudo o que
sei foi ouvindo discos."
MÚSICA E CINEMA - "Eu acho
que a música é uma arte quase visual, um instrumento para remeter a ambientes ou paisagens. Eu
acredito que, se a música consegue refletir isso, ela ganha força.
Caso contrário, será apenas um
amontoado de notas.
"Eu gosto de "ouvir" um lugar
ou um modo de vida que flui pelo
encadeamento das notas. Acho
que música e cinema se completam bem, pois essas duas artes
têm uma dimensão abstrata.
"Muito do que se vê no cinema
tem pouco a ver com isso. Há
muita perseguição de carro, diálogos estúpidos, pessoas armadas. Não é disso que falo quando
associo música e cinema."
ROCK - "Eu não toco mais.
Nunca fui um roqueiro típico,
embora tenha tocado com músicos que eram muito bons nisso.
"Hoje, nos EUA, o rock parece
morto. Não há mais diversão. Eu
adorava tocar esse tipo de música
nos anos 60, quando o rock era
simples, quase folclórico. Agora,
a coisa virou um grande circo, e
eu não me interesso por isso.
"Pode ser que existam garotos
que tocam bem esse estilo. Resta-nos esperar para ver se eles criam
alguma coisa que preste."
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