São Paulo, Segunda-feira, 27 de Setembro de 1999
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MÚSICA
O guitarrista norte-americano fala de política, música, cinema e da convivência com os cubanos
Cooder resgata a sonoridade cubana

EDSON FRANCO
Editor interino de Suplementos

Exceção feita a músicos e cinéfilos, poucos conheciam o guitarrista norte-americano Ry Cooder, 52. O grupo cresceu com a adesão dos amantes da música cubana, que reconhecem em Cooder o principal responsável pelo atual resgate da sonoridade da ilha.
Tudo graças ao CD "Buena Vista Social Club", lançado neste ano no Brasil -com dois anos de atraso em relação aos EUA. Nele, o guitarrista convida um time de músicos da velha guarda cubana para um exercício de perpetuação de estilos caribenhos.
Antes disso, o norte-americano tinha como passaportes para a eternidade a experiência de ter tocado com Rolling Stones, Monkees, Van Morrison e John Lee Hooker e o fato de ser autor das trilhas sonoras de "Paris, Texas" e "A Encruzilhada", entre outras.
Convertido em uma espécie de David Byrne que deu certo, Cooder contou por telefone um pouco sobre política, cinema e os bastidores da sua convivência com os músicos cubanos. Leia a seguir trechos da entrevista.

LINGUAGEM -
"Sei pouca coisa de espanhol. Precisamos da ajuda de uma intérprete, mas músicos nem sempre se comunicam apenas por meio das palavras.
"Alguns desses cubanos lêem partituras, outros não. É o caso de Compay Segundo, que vem de outra tradição musical. Os músicos mais antigos não dependem da escrita musical."

INTEGRAÇÃO -
"No projeto, meu papel era colocar alguma coisa que pudesse completar e melhorar o som. Assim eu faço com todos os músicos estrangeiros com quem toco, sejam eles africanos ou havaianos.
"Eu já conhecia aquele tipo de música por meio de discos que adquiri nos anos 70. Mas acho que a integração aconteceu por causa de eu estar "sentindo" a música. E, na verdade, foram eles que fizeram tudo. Tocaram a música de seu país, e eu acompanhei."

APRENDIZADO -
"Estou sempre tentando aprender algo e acho que estou tocando muito melhor do que há três anos. Com os cubanos, aprendi um pouco mais sobre o amor pelas notas e pelos instrumentos musicais. Além disso, passei um período muito divertido com eles.
"Eu não diria que isso vai mudar o jeito que toco guitarra, mas sim adicionar ingredientes àquilo que eu já sei. Tocar com esses caras foi uma oportunidade de ouro para melhorar o meu conhecimento a respeito de música."

FIDEL -
"Durante as gravações, os cubanos não disseram nenhuma palavra sobre política. Talvez isso se deva ao fato de eles serem velhos e não verem o mundo de maneira politizada. Acredito que os cubanos mais jovens pensam um pouco mais a esse respeito.
"Acho que a revolução liderada por Fidel Castro foi benéfica ao libertar a população cubana dos abusos do passado. Antes havia muitas pessoas que tomavam conta da população graças ao poder do dinheiro.
"Estou falando de gângsteres, jogadores e gente desse tipo. O maior problema dos cubanos hoje é a pobreza. Há muitas coisas básicas que eles não têm. O que vai acontecer daqui pra frente é a grande questão nacional.
"Não tive nenhum problema em entrar ou sair do país. Fiquei com a impressão de que as autoridades cubanas não estão nem aí para o que nós, norte-americanos, fazemos em seu país."

FUTURO -
"Eu nunca faço planos. Os discos que fiz com o indiano V.M. Bhatt ("Meeting by the River", de 1993) e com o africano Ali Farka Toure ("Talking Timbuktu, de 94) decorreram de telefonemas que recebi.
"Com os cubanos, também aconteceu assim. Se alguém liga e pergunta se eu gostaria de tocar com um músico que admiro, por que eu responderia não?
"Há muitas coisas sobre música que ainda desconheço ou não entendo. Por isso, não perco uma chance de aprender mais. Isso faz a vida ser mais interessante."

MÚSICA BRASILEIRA -
"Não sei muito. Conheço brasileiros que tocam em Los Angeles. Procuro estar perto deles para ouvir. Gosto também do tipo de samba que Gilberto Gil faz.
"Sei que aí há muitos estilos musicais brasileiros que eu ainda não conheço. Quase tudo o que sei foi ouvindo discos."

MÚSICA E CINEMA -
"Eu acho que a música é uma arte quase visual, um instrumento para remeter a ambientes ou paisagens. Eu acredito que, se a música consegue refletir isso, ela ganha força. Caso contrário, será apenas um amontoado de notas.
"Eu gosto de "ouvir" um lugar ou um modo de vida que flui pelo encadeamento das notas. Acho que música e cinema se completam bem, pois essas duas artes têm uma dimensão abstrata.
"Muito do que se vê no cinema tem pouco a ver com isso. Há muita perseguição de carro, diálogos estúpidos, pessoas armadas. Não é disso que falo quando associo música e cinema."

ROCK -
"Eu não toco mais. Nunca fui um roqueiro típico, embora tenha tocado com músicos que eram muito bons nisso.
"Hoje, nos EUA, o rock parece morto. Não há mais diversão. Eu adorava tocar esse tipo de música nos anos 60, quando o rock era simples, quase folclórico. Agora, a coisa virou um grande circo, e eu não me interesso por isso.
"Pode ser que existam garotos que tocam bem esse estilo. Resta-nos esperar para ver se eles criam alguma coisa que preste."


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