São Paulo, quarta-feira, 27 de setembro de 2000

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MÚSICA
Voltam relíquias das décadas de 70 e 80

DA REPORTAGEM LOCAL

Tipo de iniciativa que é cada vez mais rara no Brasil de hoje, a série "Dois Momentos", da WEA/Continental, recupera, em 12 CDs de "preço econômico", 22 álbuns dos anos 70 e 80 que andavam esquecidos nos sebos de discos de vinil.
O pacote (leia quadro nesta página) abrange discos de Paulinho da Viola, Walter Franco, Novos Baianos, Belchior, A Barca do Sol, Carlos Dafé, Branca di Neve, Pepeu Gomes, A Cor do Som, Zezé Motta, Guilherme Arantes, Olivia Byington. Promete continuar, em muito breve, com quatro títulos de Tom Zé em dois CDs.
A série dá continuidade a um projeto que relançou em um CD, no ano passado, os dois LPs dos Secos & Molhados originais. É conduzido por Charles Gavin, também membro dos Titãs, banda que acaba de sair da WEA rumo à Abril Music.
Repete-se um caso já comum nesse tipo de relançamento: a condensação de dois LPs em um único CD faz sofrerem os colecionadores, pelas limitações de projeto gráfico, pela feiúra das novas capas, pelo desprezo aos projetos originais, pela reunião de trabalhos que não necessariamente têm maiores conexões.
Gavin tenta contornar tais defeitos, com edições quase decentes, o que não apaga o vinco de subdesenvolvimento que ancora essas séries "econômicas" das gravadoras de cá -podiam fazer melhor, e por preços ainda baixos, se quisessem realmente; lá fora, os exemplos são abundantes e constantes.
Isso posto, há um bocado de coisas importantes no pacote -algumas das reedições são inquestionáveis.
Walter Franco, por exemplo, tem seus dois LPs essenciais colocados de novo na praça (eles já haviam sido relançados em edições melhores, mas tudo bem): os neoconcretistas "Ou Não" (o famoso disco da mosca, que inclui a perdedora de festival "Cabeça") e "Revolver".
Dos Novos Baianos, entram o terceiro e o quarto LPs, que encerravam a fase mais apegada ao samba-rock à baiana do grupo. "Novos Baianos F.C.", em especial, é um clássico.
Belchior é daqueles que têm reeditados dois momentos bem diversos de carreira. Se o LP de 79 é de sucessos comerciais como "Medo de Avião", o "Belchior" de 74, seu primeiro álbum até hoje inédito em CD, é história marginal da MPB. Concretista e altamente indigesto a padrões comerciais (apesar da presença de "A Palo Seco"), mostra o artista no auge de seu radicalismo, para o bem e para o mal. Viva a reedição.
De Paulinho da Viola, os dois títulos dos 80 não estão entre os mais marcantes de sua carreira -a WEA prometia o relançamento há anos, mas nunca disse que seria assim. E "Prisma Luminoso" (83), um tanto mais inspirado que os dois escolhidos, ficou de fora.
Um segundo setor engloba relançamentos curiosos e de qualidade mais variável. O grupo progressivo/regionalista de rock/ MPB dos 70 A Barca do Sol tem como curiosidades a produção de Egberto Gismonti e a participação, entre os membros, do futuro maestro diluidor Jaques Morelenbaum.
Guilherme Arantes, egresso também da cultura progressiva, exibe em dois LPs solo sua "popificação", que deu em resultados bem conhecidos.
A black music nacional é de novo pesquisada nos volumes de Carlos Dafé e de Branca di Neve. O primeiro é o soulman/sambista de fibra que cravou o hit "Pra Que Vou Recordar o Que Chorei" (hoje se converteu em pagodeiro alternativo).
Branca di Neve, morto durante as gravações do aqui presente "Branca Mete Bronca! Vol. 2" (89), pertencia à estirpe de samba-rock fundada por Jorge Ben e reproduzida com brilho por nomes injustiçados como Bebeto (e ele próprio).
Também em parte ligada a essa tendência (mas mais próxima ao samba-soul de Luiz Melodia que ao samba-rock de Jorge Ben) era a cantora-atriz Zezé Motta, de carreira musical inconstante desde o início.
O pacote de Gavin, mais uma vez, se esquece de um estranho e pouco conhecido disco de Zezé Motta em parceria com o ex-Secos & Molhados Gerson Conrad. Lançado em 75, o LP é uma das senhas para a interligação das várias modalidades musicais nacionais dos 70 (samba-rock, cultura hippie, rock pesado). Ficou para uma próxima.
Entre os títulos de Pepeu Gomes e A Cor de Som reaparecem as consequências da cultura hippie dos Novos Baianos -A Cor do Som veio de dentro dos NB; Pepeu Gomes, por sua vez, veio de dentro da Cor do Som.
Por fim, a cantora Olivia Byington aparece também em dois momentos bem distintos, o primeiro deles (de 78) anterior a sua identificação como cantora da era decadente dos festivais (participou do "MPB Shell 81" da Globo; aliás, participou também do festival de agora).
Está aí um naco do baú ainda cheio das gravadoras WEA e Continental. Há muito a fazer por eles ainda (e muito a fazer com mais capricho e investimento, também). Mas é um começo.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


Série Dois Momentos    
Lançamento: Warner/ Continental Quanto: R$ 15, em média, cada CD




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