São Paulo, quinta-feira, 27 de setembro de 2001

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DISCO/LANÇAMENTO

Brasil homenageia com atraso o samba de Paulo da Portela

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

O CD "Homenagem a Paulo da Portela", da Velha-Guarda da Portela, vem a calhar com este ano, em que o fundador daquela escola de samba faria cem anos de idade, se não houvesse morrido prematuramente em 49.
Não é bem assim, porque o disco é um daqueles casos malucos que a cultura brasileira vive propiciando: essa homenagem já tem 13 anos de idade, quando foi idealizada, gravada e editada no Japão por Katsunori Tanaka, do selo de lá Office Sambinha. Só agora chega ao Brasil, pelo selo independente Nikita.
Embora aqui ninguém tenha tido a idéia, trata-se de um tributo musical a um dos homens mais importantes da história da cultura popular carioca, que, talvez por isso mesmo, como opina no encarte Nana Vaz de Castro, tem sido sempre menos lembrado como compositor que como líder.
"Homenagem a Paulo da Portela", concretizado por quem entende do riscado -Monarco, Alberto Lonato, Argemiro, Casquinha, Manacéa, Surica, Eunice, Paulão Sete Cordas etc.-, revira o caso de ponta-cabeça, evidenciando sua importância musical.
A faixa emblemática -e também uma das mais conhecidas, um pouco pela interpretação clássica de Clementina de Jesus, em 79- é "Cocorocó". Samba cândido sobre um malandro que faz fita na hora de acordar para o batente, esconde vários dos segredos do samba em seu interior.
Primeiro, exprime uma das razões de viver de Paulo da Portela: provar que o mito do malandro, tão entranhado até hoje no brasileiro, não estava com nada. O galo está cantando (então deve ser madrugada, hora em que os malandros estão na boemia), e o protagonista da historinha quer dormir mais um tico. "Deixa de fita, malandro, você não quer ir pro batente", veta a mulher, consciência crítica do "malandro". Que não é malandro, é trabalhador.
Outro segredinho de "Cocorocó": ali se trava um diálogo, que as velhas vozes da Portela reproduzem sem preocupação com coerência. Talvez fosse um monólogo, o trabalhador conversando com a própria consciência. E aí vem "Sinal Fechado", o falso diálogo que Paulinho da Viola travou a uma só voz, no fatídico 1968. Paulinho da Viola é versão viva de Paulo da Portela, eis o segredinho.
O outro emblema do disco é, então, "O Meu Nome Já Caiu no Esquecimento", que o patriarca compôs em 1941, após brigar e ser alijado da Portela que ele inventou, veja só -com Paulinho da Viola isso também já aconteceu. E o samba vive, sempre e sempre, lutando contra o esquecimento.


Homenagem a Paulo da Portela
    
Grupo: Velha-Guarda da Portela
Lançamento: Nikita
Quanto: R$ 25, em média




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