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DISCO/LANÇAMENTO
Brasil homenageia com atraso o samba de Paulo da Portela
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
O CD "Homenagem a Paulo
da Portela", da Velha-Guarda da Portela, vem a calhar com
este ano, em que o fundador daquela escola de samba faria cem
anos de idade, se não houvesse
morrido prematuramente em 49.
Não é bem assim, porque o disco é um daqueles casos malucos
que a cultura brasileira vive propiciando: essa homenagem já tem
13 anos de idade, quando foi idealizada, gravada e editada no Japão
por Katsunori Tanaka, do selo de
lá Office Sambinha. Só agora chega ao Brasil, pelo selo independente Nikita.
Embora aqui ninguém tenha tido a idéia, trata-se de um tributo
musical a um dos homens mais
importantes da história da cultura
popular carioca, que, talvez por
isso mesmo, como opina no encarte Nana Vaz de Castro, tem sido sempre menos lembrado como compositor que como líder.
"Homenagem a Paulo da Portela", concretizado por quem entende do riscado -Monarco, Alberto Lonato, Argemiro, Casquinha, Manacéa, Surica, Eunice,
Paulão Sete Cordas etc.-, revira
o caso de ponta-cabeça, evidenciando sua importância musical.
A faixa emblemática -e também uma das mais conhecidas,
um pouco pela interpretação clássica de Clementina de Jesus, em
79- é "Cocorocó". Samba cândido sobre um malandro que faz fita na hora de acordar para o batente, esconde vários dos segredos do samba em seu interior.
Primeiro, exprime uma das razões de viver de Paulo da Portela:
provar que o mito do malandro,
tão entranhado até hoje no brasileiro, não estava com nada. O galo
está cantando (então deve ser madrugada, hora em que os malandros estão na boemia), e o protagonista da historinha quer dormir
mais um tico. "Deixa de fita, malandro, você não quer ir pro batente", veta a mulher, consciência
crítica do "malandro". Que não é
malandro, é trabalhador.
Outro segredinho de "Cocorocó": ali se trava um diálogo, que as
velhas vozes da Portela reproduzem sem preocupação com coerência. Talvez fosse um monólogo, o trabalhador conversando
com a própria consciência. E aí
vem "Sinal Fechado", o falso diálogo que Paulinho da Viola travou
a uma só voz, no fatídico 1968.
Paulinho da Viola é versão viva de
Paulo da Portela, eis o segredinho.
O outro emblema do disco é,
então, "O Meu Nome Já Caiu no
Esquecimento", que o patriarca
compôs em 1941, após brigar e ser
alijado da Portela que ele inventou, veja só -com Paulinho da
Viola isso também já aconteceu. E
o samba vive, sempre e sempre,
lutando contra o esquecimento.
Homenagem a Paulo da Portela
Grupo: Velha-Guarda da Portela
Lançamento: Nikita
Quanto: R$ 25, em média
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