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CRÍTICA
Sátira confronta tribos e não salva ninguém
DO COLUNISTA DA FOLHA
No cinema de Murilo Salles,
o motor da ação é quase
sempre o acaso, o erro, o mal-entendido. É por essa via que se tocam, com efeitos explosivos, distintos mundos sociais e culturais.
Em "Seja o que Deus Quiser" esse caminho narrativo chega quase
naturalmente à comédia, mas
uma comédia crispada, em que o
riso tem um travo ácido.
O roteiro cruza duas tradições
díspares. Uma delas é a da "comédia-pesadelo" americana, em que,
ao tentar chegar a algum lugar ou
voltar para casa, um personagem
se vê metido em situações absurdas. Exemplo: "Depois de Horas".
A outra tradição é a do filme social brasileiro que comprime num
mesmo espaço classes e culturas
opostas, caso de "O Invasor".
A partir dessas fontes, Salles fez
um filme vigoroso e atual sobre o
diálogo de surdos entre brasileiros de diferentes "tribos".
Da banalização dos sequestros à
pornografia virtual, do hedonismo clubber à vacuidade das peruas paulistanas e ao cinismo da
indústria cultural, nada escapa.
Não é uma mera sátira, mas um
exame cruel do "esgarçamento do
tecido social", no terreno da cultura, da estética, da moral.
Já as imagens iniciais -um
"travelling" com a câmera acoplada a um carro que entra na favela,
quase esbarrando nos pedestres- revelam um olhar original
sobre um mundo saturado e também o efeito desse olhar sobre o
cenário retratado. Ninguém é inocente.
(JOSÉ GERALDO COUTO)
Seja o que Deus Quiser
Direção: Murilo Salles
Com: Rocco Pitanga, Ludimila Rosa
Onde: hoje, às 13h e 21h30 no cine
Odeon BR (pça. Mahatma Gandhi, 2,
centro, tel. 0/xx/21/2262-5089)
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