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FESTIVAL DO RIO
"Last Days" ultrapassa a lamentação e fecha trilogia do diretor sobre a morte iniciada em 2002 com "Gerry"
Van Sant observa o suicídio além da dor e do lamento
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
"Last Days", exibido pela
primeira vez no Brasil anteontem, pode ser visto como
uma estranha variação de um filme de zumbi. O protagonista Blake (Michael Pitt) é como um morto-vivo, fantasma ainda encarnado que caminha por uma casa soturna, habitada por amigos vampiros que estão ali para sugar o
pouco de energia que lhe resta. A
morte é questão de tempo.
Melhor não esperar, portanto, a
assumida inspiração nos últimos
dias de Kurt Cobain. "Last Days"
não é para fãs do Nirvana, muito
menos uma tentativa de reconstituir fielmente os últimos dias de
alguém transformado em mito.
Gus van Sant não demonstra o
menor interesse no "como foi",
tampouco apela para a falsa polêmica na questão do "suicídio ou
assassinato?". A natureza especulativa do filme é de outra ordem e,
no entanto, a questão do mito é
central, na medida em que um dos
tópicos investigados é o fardo do
homem transformado em lenda-viva, principalmente quando esse
feito é alheio à sua vontade. O mito, com seus aspectos mórbidos, é
como a morte em vida.
Blake vive completamente fechado. Homem transformado em
clichê (como lhe diz cruelmente
uma amiga), já não parece habitar
a casa de campo onde passará
seus últimos dias, (des)acompanhado dos amigos. Habita apenas
seu corpo, murmura palavras incompreensíveis, esquiva-se do detetive que vem descobrir seu paradeiro e não estabelece diálogos a
não ser com os instrumentos que
ainda se arrisca a tocar.
É tristemente cômico o encontro de Blake com os que ainda batem à porta da casa, como o vendedor de anúncios das "Páginas
Amarelas". São belos os momentos em que ainda faz música. Duas
das melhores seqüências trazem
seus últimos sopros criativos. Na
primeira, sozinho, arranca sons
de vários instrumentos. A câmera
o observa da janela e vai se afastando quase imperceptivelmente,
sem que, contudo, o som diminua
de volume. Na segunda, ele toca
uma melancólica balada grunge.
"Last Days" fecha a trilogia mórbida de Van Sant iniciada em 2002
com "Gerry" (a morte pelas mãos
de um amigo) e que continuou
com "Elefante" (a morte pelas
mãos de desconhecidos). Trata-se, aqui, da morte pelas próprias
mãos -mas, como nos outros filmes, inspirados em fatos reais, ela
sempre está ligada a elementos do
mundo exterior (o deserto em
"Gerry", a cultura das armas em
"Elefante", a mitologia da indústria cultural em "Last Days").
Mais uma vez, Van Sant demonstra impressionante maturidade artística, desenvolvendo um
exercício de estilo que não se aprisiona em soluções formalistas.
"Last Days" de certa maneira se
aproxima mais de "Gerry" em sua
falta de acontecimentos e clímax,
mas sua câmera flutuante e fantasmagórica e suas dobras temporais estão mais próximas de "Elefante". O que se acrescenta, aqui, é
um uso brilhante do som, talvez
um elemento mais importante do
que a imagem no filme.
Num trabalho que conta com a
consultoria de Kim Gordon e
Thurston Moore, do Sonic Youth,
as badaladas dos sinos das igrejas,
as "ladainhas" dos cultos religiosos vizinhos, os sons da natureza e
até Bach, no desfecho do filme,
ajudam a compor, com as notas
tocadas por Blake, o corpo musical de um filme-réquiem, de tom
absurdamente triste, mas que não
se reduz à pura lamentação.
Last Days
Quando: sexta, às 16h e às 22h45, no
Estação Ipanema 2; e sáb., às 14h, no
Estação Botafogo 1 (veja endereços e preços em www.festivaldorio.com.br)
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