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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Bem-Vindo a São Paulo
Filme coloca a cidade num papel para o qual nem sempre ela é convidada: o de síntese do Brasil
EM "RIO 40 GRAUS", canção gravada há 10 anos por Fernanda
Abreu, Chico Science e Nação
Zumbi, diz a letra que o Rio de Janeiro é a capital "do melhor e do pior
do Brasil". Curiosamente, a mesma
fórmula aparece logo no início de
"Bem-Vindo a São Paulo". O filme é
uma costura de visões da metrópole
com imagens realizadas por diversos cineastas, na maior parte estrangeiros, a convite de Leon Cakoff, o
herói da Mostra de Cinema de SP
-evento que já se tornou tradicional
na agenda cultural do país.
O filme coloca a cidade num papel
para o qual nem sempre ela é convidada, e que talvez ainda a deixe um
pouco desconfortável: o de síntese
do Brasil. Ou melhor, de síntese daquilo que o Brasil "tem de melhor e
de pior", como diz o texto em off,
narrado por Caetano Veloso, ecoando a canção.
Já se vão 30 anos desde que Cakoff
realizou a primeira Mostra, ainda na
esfera do Masp, de Pietro Maria Bardi, com quem acabou se desentendendo ferozmente. Nessas três décadas, muita coisa aconteceu com
São Paulo -e com a imagem de São
Paulo.
A cidade, da ordem do trabalho e
do empreendimento, sempre foi representada no imaginário nacional
por traços pouco distintivos do que
seria a genuína brasilidade. Sua feição urbana, dura e desprovida de encantos naturais, sua recatada e agasalhada distância em relação ao mar,
o pendor pelos interiores, a paisagem humana coalhada de imigrantes estranhos aos códigos sinuosos e
hedonistas do nosso cosmopolitismo tropical (a acentuar o jeito "provinciano" de sua gente), tudo isso faz
parte da construção do estereótipo
de São Paulo como avesso do Brasil.
Nada disso é inverídico, apenas, com
o passar do tempo, vai se transfigurando de falta em acréscimo. De certa forma, São Paulo teve um "up grade" em seu papel na configuração
simbólica do Brasil -o que a alguns,
compreensivelmente, pode até parecer uma ofensa.
Há muitas razões para isso. Uma
delas, possivelmente, é a mudança
de perfil econômico, com o maior
desenvolvimento dos serviços e atividades criativas no que antes era
uma pesada locomotiva industrial. A
São Paulo que se projeta como uma
face internacionalmente reconhecível -e estranhamente fascinante-
do Brasil é, certamente, a cidade das
contradições agigantadas do Terceiro Mundo moderno, com seus mendigos no asfalto e helicópteros nos
céus, mas é também a cidade do design, da arquitetura, da moda, da publicidade, da editoração, da tecnologia, dos restaurantes e do acúmulo
de gente interessante antes, durante
e depois de suas noites infindáveis.
O filme de Cakoff tocou-me mais
do que tudo pela reafirmação de
meus mitos prediletos acerca do
Brasil -aqueles que derivam da "democracia racial", da idéia de uma sociedade propensa à miscigenação e à
convivência pacífica na diversidade.
É esse o aspecto que "Bem-Vindo
a São Paulo" ressalta como o melhor
do Brasil. E São Paulo é ainda um laboratório vivo desse processo. É
através do espelho dessa cidade que
filhos de imigrantes de variadas procedências -e Cakoff é um deles- logo encontram seu rosto brasileiro.
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