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CRÍTICA
Filme mostra relações de poder a dois
ESPECIAL PARA A FOLHA
Leopold é o lobo sem pressa e
Franz é a ovelhinha dissimulada. O jovem finge não saber ao
certo o que quer o seguro quarentão que o abordou na rua. Mas o
mais velho parece ciente de estar
lidando com um recalcado. Afinal, por mais que se faça de inocente, Franz já aceitou acompanhar Leopold até sua casa.
O diretor François Ozon acerta
inteiramente o tom desse primeiro ato. O cineasta francês revela
aqui um pleno domínio da cena,
reforçando as inflexões impecáveis de seus atores com uma mise-en-scène igualmente pontual. Assim, quando o quarentão passa a
cometer lapsos na conversa e a
olhar um tanto torpemente para o
rapaz, a câmera, uma subjetiva de
Franz, fica parada na virilha de
Leopold ao se levantar e perguntar: "Você quer jogar um jogo?".
Depois, "travellings" circulares
acompanham o lobo rodeando
sua presa. A movimentação dos
atores e da câmera termina com a
fatídica pergunta: "Você já dormiu com um homem?".
Assim como os demais, o primeiro ato desta peça, que Rainer
Werner Fassbinder escreveu aos
19 anos e nunca montou na vida,
acaba com sexo. Aqui, o jovem
Fassbinder já delineava clara e
precocemente a sua visão do
amor como jogo de poder.
A cada ato, os personagens se alternarão no papel do mais forte
da relação, na função do ativo.
Tudo é relação de poder, relação
de forças: depois de aprender a se
defender de Leopold, Franz passará a reproduzir o mesmo tipo de
relação com sua namorada.
A homenagem que Ozon presta
aqui ao diretor alemão estende-se
aos atores que encarnaram as
mais fortes figuras do cinema de
Fassbinder: a interpretação de
Bernard Giraudeau (Leopold),
por exemplo, espelha-se em Dirk
Bogarde, e a composição de Anna
Levine, a atriz que faz a misteriosa
ex-mulher de Leopold, é uma citação de Anna Schygulla.
A homenagem de Ozon, no entanto, acaba saindo pela culatra. A
razão de o producente Fassbinder
nunca ter nem sequer montado
esse seu texto evidencia-se no
quarto ato. Tolamente misógino e
absurdamente ególatra, o final de
"Gotas d'Água sobre Pedras Escaldantes" revela toda a imaturidade do então jovem dramaturgo.
Fassbinder ao menos teve o bom
senso de guardar essa peça na gaveta. François Ozon, não.
(TMM)
Gotas d'Água em Pedras
Escaldantes
Gouttes d'Eau sur Pierres Brulantes
Direção: François Ozon
Produção: França/Japão, 1999
Com: Bernard Giraudeau, Malik Zidi
Quando: hoje, às 19h, no Cinemark
Market Place; amanhã, às 19h, no Centro
Cultural; e 30, às 20h30, no Masp
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