São Paulo, sexta-feira, 27 de outubro de 2000

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CRÍTICA
Filme mostra relações de poder a dois

ESPECIAL PARA A FOLHA

Leopold é o lobo sem pressa e Franz é a ovelhinha dissimulada. O jovem finge não saber ao certo o que quer o seguro quarentão que o abordou na rua. Mas o mais velho parece ciente de estar lidando com um recalcado. Afinal, por mais que se faça de inocente, Franz já aceitou acompanhar Leopold até sua casa.
O diretor François Ozon acerta inteiramente o tom desse primeiro ato. O cineasta francês revela aqui um pleno domínio da cena, reforçando as inflexões impecáveis de seus atores com uma mise-en-scène igualmente pontual. Assim, quando o quarentão passa a cometer lapsos na conversa e a olhar um tanto torpemente para o rapaz, a câmera, uma subjetiva de Franz, fica parada na virilha de Leopold ao se levantar e perguntar: "Você quer jogar um jogo?".
Depois, "travellings" circulares acompanham o lobo rodeando sua presa. A movimentação dos atores e da câmera termina com a fatídica pergunta: "Você já dormiu com um homem?".
Assim como os demais, o primeiro ato desta peça, que Rainer Werner Fassbinder escreveu aos 19 anos e nunca montou na vida, acaba com sexo. Aqui, o jovem Fassbinder já delineava clara e precocemente a sua visão do amor como jogo de poder.
A cada ato, os personagens se alternarão no papel do mais forte da relação, na função do ativo. Tudo é relação de poder, relação de forças: depois de aprender a se defender de Leopold, Franz passará a reproduzir o mesmo tipo de relação com sua namorada.
A homenagem que Ozon presta aqui ao diretor alemão estende-se aos atores que encarnaram as mais fortes figuras do cinema de Fassbinder: a interpretação de Bernard Giraudeau (Leopold), por exemplo, espelha-se em Dirk Bogarde, e a composição de Anna Levine, a atriz que faz a misteriosa ex-mulher de Leopold, é uma citação de Anna Schygulla.
A homenagem de Ozon, no entanto, acaba saindo pela culatra. A razão de o producente Fassbinder nunca ter nem sequer montado esse seu texto evidencia-se no quarto ato. Tolamente misógino e absurdamente ególatra, o final de "Gotas d'Água sobre Pedras Escaldantes" revela toda a imaturidade do então jovem dramaturgo. Fassbinder ao menos teve o bom senso de guardar essa peça na gaveta. François Ozon, não. (TMM)

Gotas d'Água em Pedras Escaldantes
Gouttes d'Eau sur Pierres Brulantes
  
Direção: François Ozon
Produção: França/Japão, 1999
Com: Bernard Giraudeau, Malik Zidi
Quando: hoje, às 19h, no Cinemark Market Place; amanhã, às 19h, no Centro Cultural; e 30, às 20h30, no Masp



Texto Anterior: Cineasta francês se inspira em Fassbinder para falar de amor
Próximo Texto: Debate discute cem anos de cinema do Irã
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.