São Paulo, sexta-feira, 27 de outubro de 2000

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Cineasta francês se inspira em Fassbinder para falar de amor

JOSÉ ROCHA M. FILHO
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM VIENA

O cineasta François Ozon queria filmar as dificuldades do relacionamento a dois. Escreveu então um roteiro, do qual não gostou. "Aí me lembrei da peça de Fassbinder. Descobri no texto tudo o que gostaria de dizer sobre essa dificuldade, sobre o amor como possibilidade."
Ozon falou à Folha sobre sua relação com teatro e com a peça de Fassbinder e contou seus novos projetos. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Folha - O expressão em alemão "gotas d'água em pedras escaldantes" é usada para causas perdidas, impossíveis. Seria o amor como causa perdida o que Fassbinder propõe em seu texto?
François Ozon -
Quis fazer um filme sobre a dificuldade de viver junto, de suportar o cotidiano a dois. Queria algo muito pessoal. Essa foi minha primeira intenção. Escrevi um roteiro, mas não fiquei inteiramente satisfeito. Não ia até aonde eu queria chegar. Lembrei da peça de Rainer Fassbinder, "Tropfen auf Heie Steine". Descobri no texto tudo o que gostaria de dizer sobre essa dificuldade, sobre o amor como possibilidade. A peça mostra como o sexo é um exemplo de poder, sendo usado para sustentar uma relação de dominação.

Folha - Você considera ter feito uma homenagem a Fassbinder?
Ozon -
O filme foi uma grande oportunidade de render um tributo a Fassbinder. Adoro seus filmes, o estilo de produção de baixo orçamento e a maneira como os assuntos são conduzidos em sua obra. Tenho a impressão de que compreendo seus textos e acredito que fiz uma boa transposição da peça para o cinema.

Folha - Você traduziu a peça do original em alemão e decidiu ambientar o filme na Hamburgo dos anos 70. Foram escolhas baseadas em experiências pessoais?
Ozon -
Parti para uma tradução própria, porque a edição que existia na França não era muito boa. Todas essas opções têm muito de coisas pessoais minhas. A Alemanha foi o primeiro lugar estrangeiro que visitei e guardo muitas lembranças dos lugares, das canções. É um país pelo qual sinto um grande amor.

Folha - Seus filmes têm muito de teatro. Como o cinema entra nessa encenação?
Ozon -
Adoro o teatro, apesar de não gostar de ir ao teatro. Sendo assim, trago o teatro para os meus filmes. Gosto do teatro-cinema, de filmes com essa mistura. Sinto que é uma forma de estar mais próximo do público. O artifício teatral não é um sinônimo de exuberância ou maneirismos. É a tentativa de voltar à realidade.

Folha - Quais as mudanças feitas na adaptação do filme?
Ozon -
Vários diálogos e situações foram modificados. Por exemplo, na peça, a personagem Véra não era um transexual. Eu considerei ser um tanto misógino colocar uma mulher como no original.

Folha - De que maneira seus filmes são recebidos na França?
Ozon -
Não é fácil para mim fazer filmes na França, porque meus filmes não são bem recebidos. Eles fazem mais sucesso no resto do mundo do que no meu próprio país. Talvez pelos ataques pesados que são dirigidos à burguesia francesa. Isso deve incomodar um pouco. Algumas vezes é bom ir atrás dos gêneros diferentes para encontrar o que se precisa. O que não me interessa é fazer filmes sobre os conflitos pequeno-burgueses, com uma psicologia burguesa. Por isso não tenho medo de ser rotulado de cineasta trash. Se chamarem de trash, que seja.

Folha - Qual seu próximo projeto?
Ozon -
"Sous le Sable" é meu filme mais recente, finalizado há duas semanas. Estréia em Paris, no próximo dia 2 de novembro. É mais uma história de amor, uma história de amor complicada, com Charlotte Rampling e Bruno Cremer.


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