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GASTRONOMIA
Não há o que acabe com o sabor da França
NINA HORTA
EM PARIS
Aqui estamos nós, ainda em
Paris, hospedados num "studio", numa ruazinha calma do
7ème. Rue Monsieur. Rue Monsieur e mais nada, como deve
existir uma rua Madame e uma
Démoiselle. Mas esta é masculina
mesmo, militar até, sem grandes
hotéis barulhentos. A grande onda de turismo chega até a Torre
Eiffel, pára, olha, sobe e não dá
um passo à frente, possibilitando
a paz bucólica de folhas douradas
de outono frente ao Dôme dourado dos Invalides.
Viagens são formadas por um
passeio aqui, outro ali, passeios
entremeados de restaurantes,
brasseries e bistrôs, leituras de livros ("L'Excéption Culinaire
Française", Alexandre Lazareff,
ed. Albin Michel, e "Aventures de
la Cuisine Française", Bénedict
Beaugé, ed. Nil), conversas, muito
jornal e revista. Pela compra de
ingredientes excepcionais para a
comida de todo dia (o mais divertido na viagem e o mais instrutivo. É bom brincar de casinha na
terra dos outros); por um sincero
alarme pela péssima comida oferecida a nós turistas em quase todos os lugares. Pelo respeito tanto
pelo criativo e disciplinado chef
formado na escola francesa quanto pelos autodidatas influenciados pelo seus "terroirs".
Toda essa mistura de impressões rápidas e simultâneas do que
anda pelos ares gastronômicos é
fecundada por uma discussão que
ameaça se tornar crônica.
"Estará a cozinha francesa se
afastando de suas raízes? A globalização vai lhe tirar a identidade?
Como salvar o que restou?"
É um vasto assunto. Num primeiro momento, a tal de globalização mostra a cara façanhuda
nos milhares de turistas entrando
nos milhares de restaurantes e parece que tudo está perdido. É de se
acreditar que seja impossível cozinhar com um mínimo de decência para tanta gente ao mesmo
tempo.
E ainda há os concorrentes da
cozinha francesa. Os espanhóis,
com sua comida saborosa, novos
cozinheiros inovadores, e os italianos, que ainda por cima conseguiram convencer o mundo de
que o macarrão é ótimo para
emagrecer. E o MacDo, então, o
perigo mais notável, a estandardização, a organização, o dinheiro, a
acomodação do paladar, suspiram os franceses. ( Nem todos.)
"E esta novidade de fusion food,
essa invenção dos infernos?", interrogam-se alguns críticos. Antigamente, quando se queria comer
comida japonesa, ia-se ao restaurante japonês, comida tailandesa,
ao tailandês. Agora vem tudo no
mesmo prato!!!!
E os novos costumes? Ir a um
restaurante de um grande chef e
pagar muito dava status, hoje é
"gaspillage", desperdício. Era de
bom-tom casar a filha num banquete feito pelo mesmo "traîteur"
da família há cem anos e agora
também há que se cuidar para
não ser chamado de "nouveau".
E os chefs? E os famosos chefs
franceses? É possível fazer comida
boa e barata com ingredientes caros?
E o treinamento do cozinheiro
francês, com a tradição de mestre-aluno, o culto da excelência, vai se
tornar impossível se os jovens talentos desertaram as grandes casas para ir fazer comida de avó
por conta própria num pequeno
bistrô. Quem vai ensinar à nova
geração as "pommes soufflées"
perfeitas, a omelete "baveuse", as
massas folhadas a técnica, a disciplina férrea e todo o resto?
Não sei as respostas, e cada um
tem a sua. Minha esperança está
na cara do francês que come, o
seu prazer à mesa, o olhar entendido que lança para a ostra. (Esta
opinião vai contra outra, que acha
a maioria do povo francês completamente ligado a tradições de
uma época de escassez e incapaz
de absorver novidades culinárias.
Ver a quantidade de miúdos e o
aproveitamento da comida em
sopas e ensopados nos bistrôs
simples e o menu repetido e sem
inspiração.)
Crises levam a soluções. Depois
de muita briga, já se viu que há
um nicho razoável para chefs talentosos, patrocinados ou não. Os
grandes restaurantes de hotéis, se
bem administrados, continuarão
a cevar esses talentos.
Existe hora e lugar para a fast
food, americana ou à moda francesa. É só equilibrar com a boa comida feita em casa. E, se não se faz
comida em casa, se os fast food
franceses e os pegas-turistas são
piores que o americano, não há
do que reclamar.
Quanto a novas influências, sem
problema. Não é a comida francesa um rio de influências, não é em
Paris que se faz o melhor cuscuz
marroquino do mundo? Que a
cozinha seja sempre nova e que se
renove a todo instante.
Salvando tudo a excelência do
produto, que se torna cada dia
melhor e mais acessível. O francês
está interessado na galinha e no
milho que ela come. Quase todo
ingrediente tem marcado na casca ou na pele sua orgulhosa origem. Com esse tipo de ingrediente, com uma dona e dono-de-casa
conscientes, com a ajuda da escola, com um turista mais exigente e
menos distraído, todos juntos
contra o cotidiano de uma comida medíocre, não há o que acabe
com o sabor da França.
E-mail - ninahort@uol.com.br
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