São Paulo, sexta-feira, 27 de outubro de 2000

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LITERATURA
Jovens escritores britânicos se inspiraram no manifesto Dogma 95
Novo puritanismo produz sua primeira antologia

JOSÉLIA AGUIAR
DE LONDRES

Sob uma tábua de dez mandamentos restritivos, um grupo de novos escritores britânicos se reuniu para escrever contos nos quais a narrativa simples e linear devia prevalecer acima de digressões poéticas, lapsos de tempo ou devaneios gramaticais.
A antologia "All Hail The New Puritans" -o título é algo como Salvem os Novos Puritanos- acaba de ser publicada na Inglaterra com o resultado dos quatro meses que os 15 autores tiveram para levar a ficção a sua forma mais básica.
A inspiração dos dois organizadores e ideólogos do manifesto, Nicholas Blincoe e Matt Thorne, foi o Dogma 95, o movimento de cineastas dinamarqueses que propõe um cinema feito sem tripé, luz artificial ou trilha sonora.
Munidos do seu novo código, Blincoe e Thorne convidaram, no final de 99, 13 jovens escritores como eles -de uma faixa etária que varia dos 20 e tantos aos 30 e poucos- , com dois ou três livros já publicados, para participar da antologia. Os autores estariam "livres" para escrever, mas deveriam manter o espírito do novo puritanismo por trás de tudo.
"A idéia foi originalmente de Nicholas, inspirado pelo Dogma 95, mas não estamos diretamente conectados ao conceito dinamarquês", disse Thorne à Folha.
Pelo menos seis mandamentos resumem o novo código, como os que recomendam que o autor dispense os exercícios de retórica e persiga a clareza do texto.
As demais regras foram incluídas para "complicar" a tarefa dos autores, como admitiram os próprios Blincoe e Thorne. Entre elas, está a que declara o fim de pontuação mais elaborada, a que condena o uso de flashbacks e a que recomenda que produtos, lugares, artistas e objetos sejam nomeados -isso significa dizer qual refrigerante o personagem bebe ou a marca de sua camiseta.
Três autores já são conhecidos do público britânico: Alex Garland, do best seller "A Praia" - que virou filme estrelado por Leonardo DiCaprio-, Geoff Dyer, do elogiado "Paris Trance" e Toby Litt, de "Beatniks".
Afora o próprio manifesto, cada autor carrega suas próprias influências. Rebbecca Ray, por exemplo, se alinha aos norte-americanos Raymond Carver e Stephen King. Ben Richards prefere a canadense Alice Munro. Nicholas Blincoe segue a escola policial. Toby Litt é um grande fã da escocesa Muriel Spark.

Críticas
Os jornais londrinos deram bastante espaço para os novos puritanos, mas não foram tão generosos no que se refere aos elogios.
Os críticos reclamaram que, em vez de criar uma ficção inovadora, o manifesto levou os escritores a apresentar um texto igual aos que tantos novos autores britânicos realistas tendem a produzir.
Eles disseram que boa parte dos contos desobedecia as regras e, mais que isso, os melhores -os de Anna Davis, Candida Clark e Geoff Dyer- eram justamente os que as subvertiam.
Para os críticos, finalmente, enquanto o Dogma 95 é uma rebelião contra o cinema comercial, o manifesto dos novos puritanos é incoerente ao se opor a um mundo literário já dominado pela simplicidade, pela linearidade e pela forte influência do cinema.

Livro: All Hail the New Puritans
Organização: Nicholas Blincoe e Matt Thorne
Editora: Fourth Estate
Quanto: 10 libras
Onde encontrar: www.4thestate.co.uk



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