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25ª MOSTRA BR DE CINEMA DE SÃO PAULO
RETROSPECTIVA
Cineasta italiano, diretor de "A Moça com a Valise" e "Dois Destinos", é o homenageado deste ano
Valerio Zurlini exibe a delicadeza de sua obra
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Não há cineasta mais delicado do que Valerio Zurlini.
Pode-se falar na delicadeza dos
sentimentos que seus personagens carregam. Mas essa não é,
com certeza, a única.
Zurlini coloca sua câmera quase
como se tivesse pudor de observar a errância desesperada de seus
personagens.
Jacques Perrin é o seu ator-chave. Ele está em "A Moça com a
Valise", "Dois Destinos" e "O Deserto dos Tártaros". É um ator
que chama a atenção pela doçura,
pela beleza triste. Não resta dúvida de que a ingratidão e as incongruências do mundo se abaterão
sobre ele.
Assim como as cores são distribuídas de maneira discreta -em
seus filmes coloridos-, o sofrimento se instala entre os personagens da mesma forma, mas de
maneira definitiva.
A condição própria do mundo é
a assimetria e a incompreensibilidade. Não existe justiça à vista
-provavelmente não existe justiça alguma-, portanto não existe
remissão.
Assim, os irmãos de "Dois Destinos" estão separados pela vida
quando um deles, o mais frágil,
morre. Não há como recuperar o
tempo perdido.
Da mesma forma, o professor
de "A Primeira Noite de Tranquilidade" (Alain Delon) sabe que
não existe conciliação possível para um amor que termina (seu casamento), se o novo amor não é
senão sintoma de sua própria inquietude diante das coisas.
"O Deserto dos Tártaros", adaptação do romance de Dino Buzzati talvez superior ao próprio romance, é possivelmente o resumo
mais acabado (e o menos sentimental) de suas idéias: o tempo, a
inquietação (que aqui se traduz
por tédio), a expectativa é o que
nos destrói.
A vida é sempre maior ou menor do que nós. Ou bem a fantasia
nos conduz, e acabamos sendo
confrontados a uma realidade
moral ou mesmo física que a destrói, ou bem a ausência de fantasia
nos avilta.
Uma questão que se impõe,
portanto, é: qual o lugar de Zurlini
no grande cinema italiano do pós-guerra. Ele não foi um inovador,
como Rossellini ou Antonioni,
não foi incisivo como Visconti ou
Pasolini, não foi bombástico e popular como Fellini. Esteve próximo do melodrama, mas, ao contrário de um De Sica, driblou-o
seguidamente.
Zurlini é um intimista, por certo, mas esse é o tipo de qualificação que -Japão à parte- soa
quase como desabonadora.
Não é preciso diminuir a contribuição dos cineastas maiores (ou
mais famosos) para incluir Zurlini entre eles.
Seus filmes são como monolitos
que, quase 20 anos depois de sua
morte, permanecem intocados,
legíveis (isto é: ainda a ler), carregados de um mistério que não se
desprega de seus personagens,
que não se deixa superar.
Essa retrospectiva promovida
pela 25ª Mostra introduzirá muitos cinéfilos à sua obra invulgar.
Ajudará, ainda, outros a aproximarem-se dela de maneira mais
completa. E trará a certeza de que
Valerio Zurlini está longe de ser
um cineasta menor com momentos de gênio.
É um autor cuja doçura triste,
delicadeza de traço, constância
têm muito a nos dizer. Sobre a vida, sem dúvida, mas também sobre o cinema.
Se cada vez mais nos deixamos
influenciar pelo brilhareco, Zurlini está aí a nos lembrar que o cinema pode se passar de impactos fáceis. Ou antes, que tende a ser tão
mais duradouro (portanto, importante) quanto menos se deixe
contaminar pelos apelos não raro
caóticos do momento.
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